Oliveira era policial. Um cara
culto, boa praça, detestava estereótipos. Piadas preconceituosas e o senso
comum o deixavam profundamente irritado. E as redundâncias, então, nem pensasse
em emiti-las próximo desse distinto membro da força policial do nobilíssimo
estado de Alagoas. Conta a lenda que Oliveira saiu da corporação no dia em que
tentou dar voz de prisão a um marido exaltado que discutia com a amante em via
pública.
- Mas seu guarda!
_ “Seu” coisa nenhuma, cidadão.
Não pertenço a ninguém e não sou guarda, sou oficial da polícia militar!
_ Tudo por causa dessa loira
burra sem inteligência! E, com essa redundância, Oliveira perdeu a calma.
Meteu-lhe a mão e o empurrou na viatura. _ Aprenda a falar, malacafento!
A palavra machucou o elemento
mais que a pancada. O que porra era “malacafento”?
_ Senhor policial militar – Ele
não queria apanhar novamente. – O que é malacafento?
O homem era uma vítima da péssima
educação pública e da falta de oportunidades. O lado social de Oliveira refreou
sua fúria.
_ É um sinônimo para nojento,
abominável, asqueroso, odioso... em suma: um achacado.
_ Chame ele de veado não! –
Gritou a loira que antes estava sendo agredida.
_ Senhora, eu não o chamei de
qualquer animal, apenas...
_ Chamou sim que eu vi!
Os nervos de Oliveira já não eram
os mesmos. Sua face começava a ficar vermelha.
_ A senhora quer dizer que ouviu!
_ Vi sim que não sou surda!
_ É cega! – Gritou Oliveira!
_ Ei, rapaz, respeite Craudirene!
_ Claudilene! – Oliveira agora
levou as mãos a cabeça, nitidamente nervoso.
_ A nêga é minha, rapaz! E quer
saber mais que eu?
_ Só estou dizendo que o nome de
sua esposa...
_ Esposa, nada – Interrompeu a
loira. – Amante?
_ Como?
_ Hei, isso é função minha. Além
de chegar batendo e me chamando de veado quer pegar a Craudirene?
_ E o que o senhor tem contra os
gays? Um transeunte agora entrava na discussão. Olha, gente, o policial homo
fóbico tá agredindo um rapaz aqui.
Mais gente se aproximava agora.
_ O senhor está equivocado, esse
elemento batia na mulher quando eu ia passando na viatura. Cabo Wellington é
minha testemunha. Apontava para o homem fardado que não desceu da viatura.
_ O elemento aqui tem nome, viu? É Maycão. E o senhor que me prender
porque tem preconceito.
_ Mas não falei da sua cor.
_ E o que tem a cor dele? O senhor além de homo fóbico é
racista? O moço agora fazia parte da discussão.
_Não! Cabo Wellington, preciso de
um apoio aqui! – Wellington era amigo, mas não altruísta a ponto de comprar
aquela briga, então fingiu que não ouvia ou via nada do que estava ocorrendo.
Já havia uma pequena multidão em
volta de Oliveira. Estudantes que passavam pararam e sentaram no chão. Dois
homossexuais vaiavam o policial, o homem que antes ia ser preso agora gritava:
_ Isso é violência! Violência de
uma polícia preconceituosa!
Um carro parou próximo deles e um
jornalista que estava de férias no litoral nordestino correu para registrar
aquilo. Afinal, a imprensa nunca dorme.
_ Imprensa, imprensa! O que está
havendo?
Oliveira teve vontade de autuar
todos ali por desrespeito à autoridade, mas queria ser diplomático. Cada um dos
presentes deu sua versão, os jovens já tiravam fotos e postavam no facebook:
A CASA CAIU AQUI. POLICIAL QUER PRENDER CARA
SÓ PORQUE É GAY. #LOIRA GOSTOSA BRIGA COM MARIDO E POLIAL GAY TEM CIÚME;
#PARTIU#BRIGA#VEM PRA RUA!
As pessoas já cantavam o hino
nacional e outras gritavam palavras de protesto. Oliveira correu para a viatura
e saiu como um gato foge de um dobermann enfurecido. Pediu exoneração no outro dia ao chegar numa
banca de jornais e dar de encontro com a capa de Veja daquela semana:
POLÍCIA FACISTA NO NORDESTE
PROMOVE ATOS VIOLENTOS CONTRA NEGROS E HOMOSSEXUAIS. Depoimentos de testemunhas
alertam sobre supostas milícias organizadas pelo PT para manter hegemonia em
municípios nordestinos.
Oliveira ainda se pergunta como
um país que se pretende sério é capaz disso, mas tinha medo de encontrar as
respostas. Vivemos em uma época estranha, onde agir da forma correta é um ato
de ditadura. Como vingança Oliveira pretende se lançar como cantor de Funk. Seu
primeiro trabalho é chamado de Ex-puliça,
sobrevivendo no inferno.
Emerson Luiz
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