sexta-feira, 20 de março de 2015

LEIA TRECHO DO LIVRO UMA HISTÓRIA VENTUROSA SOBRE A ORIGEM DA NOSSA CIDADE



É importante reconhecer que várias fazendas foram instaladas no Sertão e Agreste pernambucanos. Distantes uma das outras essas propriedades não contribuíram para aumentar a densidade demográfica dessa região, até porque não precisavam de mão de obra em grande quantidade para serem mantidas[i]. A instalação de algumas famílias nas cercanias da freguesia do Ararobá, precisamente nas terras que formariam a cidade, é sentida na formação de comunidades e fazendas que foram batizadas de acordo com suas características, como a existência de olhos d’água ou a predominância de determinadas espécies da flora local. Assim nasceram os nomes dos sítios: Angico, Araçá, Barbado, Barro Branco, Campo Grande, Carrapateira (a carrapateira era como se chamava a mamona, fruto da mamoneira) e Olho d’Água, por exemplo.

Em “Conhecendo o município de Venturosa”, uma cartilha elaborada pelas senhoras Maria Nailda Alexandre e Genilda Correia Alexandre em 1994 para o Departamento Municipal de Educação, lemos claramente que a cidade teria se originado a partir da influência de uma fazenda de propriedade do Sr. José Antunes Bezerra, por volta de 1878. Não podemos negar a importância dessa fazenda, mas durante a pesquisa que culminou nesse trabalho, percebe-se que várias outras fazendas foram fundadas nessa região e também desempenharam papel como agente de fixação de novos habitantes e contribuíram significativamente na história municipal.

Manoel Antunes Bezerra já morava na fazenda Buqueirão em 1844, onde comprou a João Antunes uma parte de terra que este e sua esposa possuíam em Bucá, no Brejo da Madre de Deus. Os membros da família Antunes Bezerra deram início a formação dessas fazendas e se mantiveram relativamente próximos uns dos outros. Os hoje sítios Buqueirão e Barbado, sedes das propriedades de Manoel Antunes Bezerra e José Antunes Bezerra são limítrofes,

Em “Resquícios coronelísticos” o professor Almir Bezerra levanta um ponto interessante. Afirma que o local onde hoje se encontra a sede administrativa do município foi antes um local de pouso, um rancho onde os almocreves paravam para se alimentar e descansar em suas jornadas. Os almocreves eram comerciantes que transportavam mercadoria no lombo de burros e foram muito importantes na história do país. Alguns transportavam peixes do litoral para o interior e na volta traziam frutas, verduras e outros itens. Num Brasil sem muitas estradas eles foram essenciais para a comunicação entre as províncias e para o abastecimento de pequenas vilas. Virgulino Ferreira, que se tornou o mitológico rei do cangaço sob o nome de Lampião, foi também um almocreve antes de se insurgir e escrever seu nome na história.

Nesse local de pouso surgiu um tipo de pousada de propriedade de uma senhora chamada de Janoca, que desenvolvia uma atividade comercial vendendo, entre outros itens, cocada de facheiro, doce de leite e água para aliviar a sede dos viajantes. Essa choupana ficava onde hoje está situada a casa do falecido Delmiro Alexandre, na Avenida Capitão Justino Alves. Um observador atento pode perceber que a grande reta em que as casas construídas seguem o sentido, a proximidade do açude (que infelizmente teve suas águas poluídas), a localização da capela, sugerem que antigamente aquela seria a ligação entre as diversas fazendas existentes e as cidades de Garanhuns e Buíque. Arcoverde – antiga Rio Branco - e Pedra, por muito tempo foram distritos de Buíque.

Prova disso são os impostos pagos pelo senhor Aniceto Antunes Bezerra no valor de 2.000 contos de Réis em 1865 à coletoria relativos à posse de 106 braças de terra da propriedade de Cacimbas, no distrito do Tará, município de Buíque. Antes disso encontramos o pedido de dispensa para contrair matrimônio feito pelos noivos Nicolau Francisco Bezerra e Anna dos Anjos Bezerra, no de 1846. Os dois eram primos e já haviam requerido a dispensa do impedimento por consanguinidade, já que a Igreja Católica desde o Concílio de Trento, iniciado em 1545 e concluído em 1563, fez valer uma antiga determinação na tentativa de impedir casamentos entre parentes até o quarto grau de consanguinidade para evitar, ou melhor, diminuir o nascimento de crianças com problemas genéticos comuns pela proximidade sanguínea dos noivos.
Veja que as pessoas que viviam nessa localidade às vezes tinham que se deslocar até Buíque para resolver questões jurídicas e eclesiásticas. A Freguesia de Pedra só seria criada em 6 de maio de 1863 e passaria a categoria de vila em 1881.

Há evidências de que os grandes fazendeiros dessa parte do Agreste pernambucano eram possuidores de escravos. Além do já citado João Antunes Bezerra, encontramos o registro de uma escrava chamada Faustina, sem profissão, matriculada sob o número 805 no registro geral do munícipio de Buíque e que pertenciam às órfãs Maria e Santina feita pelo tutor das mesmas, o senhor Aniceto Antunes Bezerra. A escrava tinha uma criança de colo de cor parda, do sexo feminino, batizada por Maria. Esse documento foi registrado na Província de Pernambuco, Município de Buíque, Paróquia de Pedra em 30 de outubro de 1873. A escravidão só seria abolida no Brasil em 1888.

Embora poucos tenham conhecimento disso, durante o século XIX a maioria dos escravos pernambucanos não estava na Zona da Mata, mas no Sertão e no Agreste intermediário e, quase dois terços destes, pertenciam a senhores que tinham entre 10 e 20 escravos[ii]. Na década de 1870, após o fim do tráfico intercontinental, o preço dos escravos estava em queda na província de Pernambuco. A quantidade de escravos encontrados nela também estava diminuindo com o tempo. No ano de 1823 foram contabilizados 150.000 escravos e em 1872 esse número havia sido reduzido para 89.028[iii]. Mas possui-los ainda estava relacionado à ideia de poder e riqueza.

É importante pensar no Brasil dessa época. O país de proporções continentais, o quinto maior do mundo e o maior da América Latina, havia rompido laços com sua Metrópole há 51 anos, em 1822. Várias rebeliões foram sufocadas para assegurar a unidade nacional. Um jovem de 14 anos, D. Pedro de Alcântara, foi feito imperador com o nome de D. Pedro II. Rebeliões e agitações abalaram o país. Recife defendeu a limitação do poder real, o voto livre e universal, a maior autonomia das províncias e a liberdade de imprensa no Manifesto ao Mundo, o programa da Rebelião Praieira. Infelizmente o fim da escravidão não passou pela pauta dos grandes proprietários de terra. Com os conflitos que sufocaram as rebeliões as elites se unem e esquecendo velhas rivalidades moldam o perfil administrativo do país durante o Segundo Reinado. Os poderes estavam concentrados em D. Pedro II, instituíram o parlamentarismo e não permitiram a imensa maioria dos brasileiros o direito de participar da vida política e criaram o Exército e a Guarda Nacional. Trocando em miúdos: o papel do Governo era o assegurar os interesses da elite econômica.

Como veremos a economia também estava em processo de mudança. O café que começou a ser cultivado em 1820se expandiu rapidamente no Vale do Paraíba e no Oeste Paulista. Na década de 1821-1830 o Brasil produziu 3.178 sacas de café. Entre 1861-1870 já seriam 29.103[iv], totalizando 1.746.180kg, já que cada saca possuía 60kg desse grão. O café seria o carro chefe da economia brasileira durante quase todo o II Reinado e por toda a República Velha. A partir de 1840 seria iniciado o surto industrial e as transformações econômicas e sociais pelas quais o mundo passava incorreriam na abolição da escravidão, no fim do padroado e no advento da República.

Nessa região Agreste havia duas atividades econômicas predominantes: a criação de gado onde prevalece o clima semiárido e o plantio de algodão e da agricultura de subsistência onde o clima era mais ameno ou menos frequentemente afetado pela seca. A pecuária foi implantada primeiro, sendo responsável por sua ocupação pelo elemento europeu e seus descendentes nascidos no Brasil Colônia. Com a declínio dessa atividade foi que se iniciou o plantio de algodão e outros gêneros agrícolas. Isso porque no final do século XVIII o Brasil passou a exportá-los para países em condições de liberdade. O algodão foi cultivado primeiramente no Maranhão e depois foi difundido para os atuais estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e pequenas áreas dos estados da Bahia, São Paulo e extensas áreas de Minas Gerais. O surto do algodão provocou grandes lucros na década de 1870 e continuou a ser cultivado por décadas a fio no Agreste.

Em Venturosa há uma comunidade chamada de Ouro Branco, provavelmente devido a ela ter se originado em torno do plantio do algodão.

O algodão se adaptou bem as condições do Agreste e do Sertão e resistia as intempéries das estiagens. Seu plantio atraiu imigrantes e fez vir povoadores para as encostas de serras e beiras de estradas ao longo do imenso território do semiárido.

Para compreender o nascimento da vila de Boa Sorte é importante conhecer o que ocorria no âmbito regional. Os almocreves agora faziam a rota inversa, Sertão com destino ao Agreste intermediário. O declínio da pecuária e as duras secas fizeram que os sertanejos viessem comercializar seus produtos e adquirir gêneros alimentícios como feijão, farinha e doces como a rapadura de facheiro e o doce de leite entre outras coisas. O surto do algodão entre as décadas de 1860, 1870 e até meados de 1880 que trouxeram mais povoadores e mão-de-obra para a região e assim ampliavam as cidades existentes, o fluxo de pessoas e mercadorias. Elementos que permitiram que muitas vilas que se tornariam cidades nascessem desse processo.




 Capítulo IV

- O nome
- As primeiras ruas
- A instituição familiar
- Atividades culturais
- Vida em comunidade





O
 nome Boa Sorte para designar esse lugarejo tem duas versões. Em uma delas três grandes amigos que não se viam há muito tempo se encontraram ali. Como cada um vinha de um lugar diferente ficaram emocionados com a afortunada reunião e um deles exclamou: Que boa sorte, amigos, termos nos encontrado aqui depois de tanto tempo! A sorte de um lugar de pouso entre a longa viagem do Sertão ao Agreste, a sorte de poder comercializar e voltar para casa com alimentos, a sorte de reencontrar o tesouro de se estar entre amigos. O sentimento de euforia teria se espalhado naqueles que presenciaram a cena e a partir dali todos se referiam ao local com o nome de Boa Sorte. Em outra versão também muito conhecida é de que numa das grandes secas que abateram a região, o fazendeiro José Antunes Bezerra enfrentou-a sem passar por grandes danos. Parentes haviam mandado se informar de como estava e ele teria dito que estava muito bem e que teve sorte em ter permanecido ali. Todos concordaram que seu êxito se deu a sorte de estar em um lugar de boas condições. Daí de essa região já ser chamada de Boa Sorte antes mesmo dos almocreves percorrerem essa rota. Essas versões também estão presentes nos depoimentos de Manoel Ramos, o Ramiro, João Bosco Morais de Oliveira e Rui Quirino dos Santos[v]. Todos eles crianças quando a cidade ainda era distrito de Pedra e atendia pelo nome de Boa Sorte. Rui Quirino chega a dizer: “Mesmo quando tinha o rancho e os almocreves passava, mesmo antes disso já era conhecido como Boa Sorte”.

A sede do município nasce nas terras que teriam pertencido ao senhor Valeriano Santos. Entre o final do séc. XIX e início do séc. XX, habitaram o que viria a ser a Vila de Boa Sorte o comerciante de peles e animais João Laurentino de Souza, o agricultor e dono de terras Quirino dos Santos, o também dono de terras e comerciante Manoel Moreno e o dono de terras e chefe político, Justino Alves. 

Nessa época se registra a existência de outras grandes propriedades rurais: a Fazenda Riacho do Meio de propriedade do senhor Antônio Lourenço que produzia rapadura, Fazenda Barro Branco pertencente a Manoel Joaquim, a Fazenda Caatinga Branca do senhor José Miguel e a Fazenda São Roque que pertencia ao senhor Antônio Alexandre da Silva.

Como veremos, tudo concorreu para a urbanização daquele lugar. Estar entre uma rota de comercio, cercado por grandes propriedades, possuir água e local para parada e descanso dos viajantes, depois disso a doação de pequenos lotes de terra, a construção da primeira capela junto com a criação do Patrimônio de São José, a vinda de novas pessoas que fugiam da seca e procuravam trabalho, o cultura do algodão e a abertura de estradas que ligavam Garanhuns à Buíque, passando por Pedra e Arcoverde (antiga Rio Branco).

Rapidamente nasceu a Vila de Boa Sorte. O modo de vida de sua gente era simples. A alimentação não tinha luxos. Feijão, farinha, carnes assadas na brasa ou com banha de porco, sem iluminação elétrica e pouca mobília no interior das casas, sendo esta composta por móveis rústicos feitos à encomenda. Muitas casas não possuíam roupeiro ou guarda roupa e as vestimentas eram guardadas em grandes malas que eram empilhadas uma sobre as outras. As camas eram reservadas muitas vezes apenas para os pais, então, era comum casas onde só havia uma cama, já que os jovens dormiam dependurados em redes. Esse costume foi assimilado dos povos indígenas. O divertimento eram as vaquejadas, os jogos de cartas e as prozas com os amigos. Também era costume o ler ou recitar dos cordéis que eram chamados de romances. Poucos sabiam ler de fato, então, em vez de ler os romances, os pais ou mães decoravam os versos e os repetiam de cor para seus filhos.

As famílias eram numerosas, já que ter muitos filhos queria dizer possuir muitas mãos para auxiliar nos trabalhos das fazendas, sítios e nos afazeres domésticos. Uma família formada por pai, mãe e dois filhos era considerada pequena. Muito comum era ver nos sítios, vilas e cidades do interior famílias onde o casal havia gerado dez, doze ou até mesmo quinze filhos.

O casamento podia ser um evento traumático para as moças. Muitas eram dadas em casamento aos catorze ou quinze anos de idade e passavam rapidamente do julgo do pai para o do marido. Não havia uma preparação a não ser a de que era dever da esposa obedecer ao seu marido. O amor dos versos ditos pelos romances pouco ou nunca era sentido na vida matrimonial pautada pela rotina mecânica de conceber, nutrir e criar os filhos. Fotos de época mostram o curto intervalo do nascimento entre um filho e outro. A famosa escada formada do filho menor para o maior até chegar à mãe e ao patriarca da família.

Outro costume encontrado em algumas famílias era de que duas gerações da mesma família habitassem na mesma casa. O entrelaçamento era tão forte que o sogro podia ser tomado como padrinho dos netos e passava a ser chamado de compadre. O nordestino leva o vínculo estabelecido pelo sacramento do batismo com os padrinhos a um grau de respeito tão alto que o sogro passa a ser compadre e não mais o avô, deixando de ser tratado assim pelos netos para assumir o papel de padrinho. Até entre irmãos isso ocorria. A irmã mais velha ou mais nova passava a ser comadre e os sobrinhos não mais tomavam a benção a sua tia e sim a sua madrinha.



[i] PILLET, Nelson. História do Brasil.
[ii] VERSIANI, Flávio Rabelo. VERGOLINO, José Raimundo Oliveira. Preço de escravos em Pernambuco no século XIX. Universidade de Brasília, 2002.
[iii] VIANA, Oliveira. Resumo histórico dos inquéritos censitários realizados no Brasil. p 404 e 405. In: Stein, Stanley J. Vassouras: um município brasileiro do café. 1850-1890. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
[iv] PRADO, Jr. Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1996. P. 160.
[v] Entrevistas concedidas ao autor.

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