O blog Amo Venturosa tem o enorme prazer de iniciar um novo momento em sua história. Além de divulgar artigos de opinião, entrevistas e notícias locais e regionais, a partir de hoje passará a publicar periodicamente textos e crônicas de autoria do renomado professor Eraldo Galindo Silva, com ampla produção acadêmica e um dos expoentes do Ensino Superior de nossa região. No menu deste blog você já pode encontrar o link para acessar essa e as futuras crônicas desse autor. Uma boa e prazerosa leitura!
Emerson Luiz
Belíssima
De tão fulgurante que era a formosura
de Bella, brilhava feito metal ao sol. Sua figura irradiava-se por becos e ruas
da vilazinha. Deixava um rastro de luz por onde passava. Involuntariamente,
fazia pulsar suplicantes (e acelerados) corações.
Seu faceiro olhar mirava a todos.
Atenta, examinava os exemplares masculinos à sua volta – ávidos, disponíveis,
devotos. Não se permitia, entretanto, a escolha de qualquer um como companheiro
dos dias futuros. Nem sequer um amante furtivo. Não tinha pressa, tampouco as
urgências das moças feias para encontrar um homem.
Mais parecia uma deusa grega em
mármore esculpida. (Herança genética, tal qual a da sua prima Chiquinha, personagem retratada em
outras páginas por este escriba.)
Misteriosa, reservada,
inacessível. E, dizia-se à boca pequena, imaculada. Feita do barro de Deus,
intocada pelas mãos do homem.
Ciosa da sua beleza – e pródiga
em devaneios -, pedia (e esperava) muito da vida. Nada a contentava; tudo lhe
parecendo tosco, reduzido, indigno do seu natural merecimento.
Despertava nos homens amores,
versos, canções, expectativas, frustrações... e galopantes fantasias. A nenhum
deles retribua por palavras ou gestos, nem mesmo um olhar de promessa.
Mantinha-se na mais completa indiferença a todos, como se fosse olímpica deusa
frente a reles mortais. Nas mulheres provocava invejas mal disfarçadas.
1.
Tempus fugit
Chronus, implacável, comandou a rápida mudança das estações. Luas e
sóis se sucederam em alta voltagem. Imperativa fluidez das coisas que são no volátil
habitat humano. Lugar e ocasião de metamorfoses. Síntese-antítese-síntese: hegeliana
percepção da vida como contínuo movimento, que afeta minerais, vegetais, animais,
homens...
E no redemoinho que a tudo
alcança, o desfazimento/refazimento das minúsculas partículas dessa coisa
chamada vida. E o cumprimento da sentença: Tudo
que é sólido desmancha no ar.
Nos ouvidos mais atentos,
insistente, o eco dos versos da velha canção: Roda mundo, roda gigante
/ roda moinho, roda pião... / O tempo rodou
num instante / nas voltas do meu
coração...
2.
Visão
de si
Um tom grisalho se destacou nos
cabelos de Bella. Diante do espelho, percebeu na pele de pêssego as primeiras
rugas. O tempo furtara-lhe dos olhos a chama da juventude. Escoara-se a antiga flama
dos tempos madrigais. Num estremecimento súbito, ela se descobriu recoberta
pelo manto negro da velhice.
Progressivamente, Bella mergulhou
no pântano dos medos íntimos. Enroscou-se nas amargas sensações das despedidas.
Por fim, deu-se conta de que era apenas um pequenino grão perdido na vastidão
cósmica. E uma lágrima manchou-lhe as pálpebras.
3.
Fiapos
de recordações
A memória amorosa dos homens
persistiu na celebração dos encantos primaveris de Bella. (Encantos agora
acinzentados sob o jugo da inescapável passagem do tempo.)
4.
Desce
a cortina
Bella morreu sozinha à hora do
crepúsculo, dependurada no parapeito da janela, sorvendo do jardim os
derradeiros aromas das flores.
Jamais se desprendeu dela o
encantamento que sentia pelo esplendor estético de que fora dotada pela
natureza. Narcisista até o fim.
Sua beleza fora sua marca por uma
vida inteira. Acaso ou destino? Dádiva dos deuses ou uma sutil forma de
clausura?
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Eraldo Galindo, 2013, setembro.
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