sexta-feira, 20 de setembro de 2013

O blog Amo Venturosa tem o enorme prazer de iniciar um novo momento em sua história. Além de divulgar artigos de opinião, entrevistas e notícias locais e regionais, a partir de hoje passará a publicar periodicamente textos e crônicas de autoria do renomado professor Eraldo Galindo Silva, com ampla produção acadêmica e um dos expoentes do Ensino Superior de nossa região. No menu deste blog você já pode encontrar o link para acessar essa e as futuras crônicas desse autor. Uma boa e prazerosa leitura!

Emerson Luiz



Belíssima

De tão fulgurante que era a formosura de Bella, brilhava feito metal ao sol. Sua figura irradiava-se por becos e ruas da vilazinha. Deixava um rastro de luz por onde passava. Involuntariamente, fazia pulsar suplicantes (e acelerados) corações.
Seu faceiro olhar mirava a todos. Atenta, examinava os exemplares masculinos à sua volta – ávidos, disponíveis, devotos. Não se permitia, entretanto, a escolha de qualquer um como companheiro dos dias futuros. Nem sequer um amante furtivo. Não tinha pressa, tampouco as urgências das moças feias para encontrar um homem.
Mais parecia uma deusa grega em mármore esculpida. (Herança genética, tal qual a da sua prima Chiquinha, personagem retratada em outras páginas por este escriba.)
Misteriosa, reservada, inacessível. E, dizia-se à boca pequena, imaculada. Feita do barro de Deus, intocada pelas mãos do homem.
Ciosa da sua beleza – e pródiga em devaneios -, pedia (e esperava) muito da vida. Nada a contentava; tudo lhe parecendo tosco, reduzido, indigno do seu natural merecimento.
Despertava nos homens amores, versos, canções, expectativas, frustrações... e galopantes fantasias. A nenhum deles retribua por palavras ou gestos, nem mesmo um olhar de promessa. Mantinha-se na mais completa indiferença a todos, como se fosse olímpica deusa frente a reles mortais. Nas mulheres provocava invejas mal disfarçadas.

1.   Tempus fugit
Chronus, implacável, comandou a rápida mudança das estações. Luas e sóis se sucederam em alta voltagem. Imperativa fluidez das coisas que são no volátil habitat humano. Lugar e ocasião de metamorfoses. Síntese-antítese-síntese: hegeliana percepção da vida como contínuo movimento, que afeta minerais, vegetais, animais, homens...
E no redemoinho que a tudo alcança, o desfazimento/refazimento das minúsculas partículas dessa coisa chamada vida. E o cumprimento da sentença: Tudo que é sólido desmancha no ar.
Nos ouvidos mais atentos, insistente, o eco dos versos da velha canção: Roda mundo, roda gigante / roda moinho, roda pião... / O tempo rodou num instante / nas voltas do meu coração...

2.   Visão de si
Um tom grisalho se destacou nos cabelos de Bella. Diante do espelho, percebeu na pele de pêssego as primeiras rugas. O tempo furtara-lhe dos olhos a chama da juventude. Escoara-se a antiga flama dos tempos madrigais. Num estremecimento súbito, ela se descobriu recoberta pelo manto negro da velhice.
Progressivamente, Bella mergulhou no pântano dos medos íntimos. Enroscou-se nas amargas sensações das despedidas. Por fim, deu-se conta de que era apenas um pequenino grão perdido na vastidão cósmica. E uma lágrima manchou-lhe as pálpebras.

3.   Fiapos de recordações
A memória amorosa dos homens persistiu na celebração dos encantos primaveris de Bella. (Encantos agora acinzentados sob o jugo da inescapável passagem do tempo.)

4.   Desce a cortina
Bella morreu sozinha à hora do crepúsculo, dependurada no parapeito da janela, sorvendo do jardim os derradeiros aromas das flores.
Jamais se desprendeu dela o encantamento que sentia pelo esplendor estético de que fora dotada pela natureza. Narcisista até o fim.
Sua beleza fora sua marca por uma vida inteira. Acaso ou destino? Dádiva dos deuses ou uma sutil forma de clausura?
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Eraldo Galindo, 2013, setembro.  

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