segunda-feira, 8 de julho de 2013

OS DOIS LADOS DA MOEDA: MÉDICOS EXPLICAM PORQUE NÃO VÃO PARA O INTERIOR

Interior da Bahia espera por médicos

por
Naira Sodré



Enquanto os prefeitos dizem que nem bons salários, casas cedidas pelas prefeituras e outras regalias prometidas, são suficientes para atrair médicos para os municípios menores e mais distantes da capital, os médicos rebatem dizendo que o processo de interiorização é prejudicado pela falta de uma política de estabilização do profissional no interior, aliado à sobrecarga de trabalho, estrutura precária e isolamento.
“O médico não tem nenhuma segurança. A relação de trabalho é péssima. Sem falar que  cada prefeito estabelece “um reinado” de quatro em quatro anos. O que sai não paga o médico e o que entra não resolve a questão. Para receber o salário atrasado, o médico tem que entrar na Justiça. Desta última eleição, ainda restam mais de 50 ações trabalhistas movidas pelos médicos contra prefeituras do interior baiano”, revelou o presidente do Sindicato dos Médicos, Francisco Magalhães    
Na Bahia, os municípios que fazem parte do Semiárido baiano são os mais prejudicados. Além da distância da capital, há poucos recursos, o que acaba dificultando a contratação dos profissionais da medicina.  Magalhães cita como exemplo, sua experiência. Ele diz que já trabalhou em mais de 25 cidades do interior onde falta tudo nos hospitais. “Eu levava, na minha sacola remédios básicos, como dipirona, para os pacientes. Trabalhei em Tucano e tive que entrar na Justiça para receber meus salários atrasados. A ação levou seis anos na Justiça”, revelou.
Recém-formados
Até agora, a maior arma doméstica encontrada pelo Ministério da Saúde para lidar com o problema da falta de médicos no interior do Brasil foi o Programa de Valorização do Profissional de Atenção Básica (Provab), criado no fim de 2011. Nele, recém-formados inscrevem-se para ocupar vagas abertas em municípios com déficit de médicos pelo período de 12 meses, com um salário líquido de R$ 8 mil e um bônus de 10% na prova de residência.
Mas um balanço divulgado pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, mostrou que o quadro ainda é grave: em 2013, foram chamados 13,8 mil médicos, mas apenas 4,5 mil se inscreveram. Desse total, 968 já pediram o desligamento, seja por terem passado nas provas de residência (43%), seja por motivos pessoais (23%). Na Bahia, 65% já pediram demissão.
Muitos dos profissionais que se unem ao Provab, apesar de serem recém-formados, tornam-se os únicos médicos da cidade. O Ministério da Saúde oferece supervisão mensal aos médicos, além de uma linha 0800 para tirar dúvidas. Atualmente, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), são formados cerca de 16 mil médicos por ano em 180 escolas médicas.
O governo quer ampliar para 20 mil anuais, com perfil para atuar no Sistema Único de Saúde (SUS). A meta da presidente Dilma Rousseff é atingir 2,7 médicos para cada mil habitantes, como no Reino Unido, que tem um sistema de assistência parecido com o brasileiro. Mas, para isso, seriam necessários 168.424 novos médicos.
Estrangeiros
O plano da União para diminuir a desigualdade na distribuição é contratar médicos estrangeiros que atendam exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A ideia é que sejam trazidos profissionais de países como Cuba, Portugal e Espanha, para trabalhar em áreas onde faltam médicos. No entanto, ainda não há previsão para a chegada dos médicos, nem por quanto tempo ficariam no país, segundo a assessoria do Ministério da Saúde.
A estratégia do governo para que os estrangeiros não abandonem os postos de trabalho é que eles não terão seus diplomas revalidados, como ocorre, por exemplo, com brasileiros que cursam Medicina no exterior. Do contrário, poderiam deixar a área para a qual foram direcionados e trabalhar em qualquer lugar.
Segundo o secretário Jorge Solla, novas vagas nas graduações têm sido criadas para suprir a demanda, bem como nas residências médicas. “A Bahia tem mais de mil vagas em residências médicas. Isso supera o número de egressos dos cursos de Medicina”, diz. Ainda assim, ele avalia que os estrangeiros são necessários. “É uma medida emergencial, para os postos que os brasileiros não quiserem. Isso vai trazer assistência para uma população excluída”, justificou.
O professor de Medicina da Ufba e presidente da Associação Baiana de Medicina de Família e Comunidade, Leandro Barreto, acredita que a proposta vai ajudar na distribuição dos médicos. “Sou a favor, enquanto provisório. Precisamos de mais médicos, mas se esperarmos por novos médicos brasileiros demorará 20 anos para chegar ao nível de países como o Reino Unido”. Segundo o Ministério da Saúde, na Inglaterra, 37% dos médicos se formaram em outros países. No Brasil, apenas 1,79% dos profissionais fizeram a graduação fora. 
Críticas à contratação
O professor de Medicina da Ufba José Tavares Neto diz que a iniciativa de trazer médicos estrangeiros é perigosa. “Já coordenei um projeto com médicos cubanos no Acre e classifico como desastroso”. Segundo ele, os médicos tiveram dificuldade com a adaptação. “Temos jovens que querem investir no trabalho, mas o governo quer resolver contratando gente de fora, que não sabe a língua”.
Também contrário à medida, o presidente do Cremeb, José Abelardo de Meneses, afirma que o programa pode dificultar a assistência no interior. “Não somos contra a vinda de estrangeiros, mas contra profissionais sem revalidação do diploma. Nós estamos preocupados com a qualidade”.Um caminho a ser tomado, para Meneses, seria a implantação de políticas de atração e fixação dos médicos no interior, passando pelo investimento em equipamentos. “Hoje, não dá para fazer medicina comestetoscópio e termômetro”, concluiu.
Já Marco Aurélio da Rosa, doutor em Educação e Saúde pela Universidade de Sorbonne, na França, e com pós-doutorado na Universidade de Bologna, Itália,  é favorável à vinda de cubanos para os rincões do País. Para ele a questão não se resume apenas à falta de interesse dos profissionais brasileiros em irem para o interior, mas está relacionada principalmente com a má formação do médico no Brasil.
 “Os nossos médicos estão mal preparados e têm medo de ir para o interior, pois lá eles não encontram a mesma infraestrutura que encontram em hospitais das capitais do País”, diz. Rosa também afirma que já foi comprovado que o problema não é dinheiro, pois muitas prefeituras do interior oferecem altos salários, alguns chegam a R$ 20 mil. Para ele, o problema está no tipo de medicina ensinada, baseado apenas em exames de alta tecnologia e não no exame clínico, que torna a oferta de emprego no interior descolada da expectativa profissional dos recém-formados.
“Nossos médicos não sabem mais fazer uma boa clínica e baseiam os seus atendimentos apenas em exames. Não dá para equipar um hospital no interior do País com tantos equipamentos para fazer exames”, disse.
Marco Aurélio da Rosa, no entanto, é contra a vinda de médicos portugueses ou espanhóis para o Brasil. “Os médicos da Espanha ou de Portugal vêm para cá para disputar mercado com os nossos médicos nos grandes centros do País, pois não há mais mercado para eles na Europa. Eles também não vão querer ir para o interior do Brasil. Quem vai para lá é o médico cubano que recebe esta formação social e a ideia é que eles fiquem por um período apenas”, disse.
De acordo com Rosa, o Brasil tem dois milhões de brasileiros em áreas sem atendimento médico. “Temos 6.602 unidades construídas e que estão sem médico, só com enfermeiro, principalmente em regiões da Amazônia e do interior do Nordeste. O que se pretende fazer com isto? Quem topa ir para a Amazônia?”
De acordo com o presidente do Conselho Federal de Medicina, Roberto D’Ávila, há 1,8 médicos para cada mil habitantes no País. Porém, ele reconhece que há desigualdade entre as regiões.De acordo com a Sesab, a Bahia possui 4mil 195 médicos servidores do Estado. Em Salvador, de acordo com o Cadastro Nacional dos  Estabelecimentos Médicos, órgão da Secretaria de Atenção à Saúde,  a conta é de 1,3 médicos para cada mil habitante, em todo o Estado a taxa é de 1,09 médicos por mil pessoas, o que é inferior ao índice nacional que é 1,8, quadro também considerado insuficiente.

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