terça-feira, 7 de maio de 2013

Crônica Venturosense nº 01 - Saudade do que és, foi e talvez nunca sejas.

Saudade é um sentimento estranho, e tal qual a liberdade cantada pelo poeta, não há quem a entenda e ninguém que não a sinta. Digo isso após tantos meses afastado do meu prezado torrão. Venho a ele todos os dias para trabalho, mas me encerro nos muros do Aéropago e deles só saio para o transporte de partida. Da minha querida terra só vejo as paisagens das janelas do Asa Branca matutino, como quem a procurar por novidades entre galhos e espinhos. E quanta emoção em vê-los prodigamente mudar de cor, do branco e do cinza para o verde tingido da esperança de que a estiagem tenha finalmente chegado ao seu fim!

Mas tais novidades ainda não se confirmam. E nestes dias em que o trabalho me faz mais uma vez caminhar durante a noite da cidade que gosto de chamar de minha, e aqui não há posse, vejo, assim como o Salmista há milhares de anos na terra que chamava dele, que não há nada de novo abaixo desse Céu que nos protege.

A Indústria da seca ainda prospera. Água é vendida a preço de ouro e corrompe as consciências como se ouro se fosse. Chegam aos meus ouvidos relatos que não quero acreditar: "Pessoas que rezam para que a estiagem se alongue para que continuem vendendo o líquido da vida ao preço da morte". Do outro lado da rua palanques continuam montados e legisladores esgrimam palavras. Todos se arvoram em "amigos do povo". Uma certa maldade me percorre a mente quando pergunto até quando essa amizade durará se os interesses dos amigos e do povo colidirem. Maquiavel escreveu que alguns homens esquecem com mais facilidade a morte de um parente que um prejuízo em seus planos. Rezo para que ele esteja errado e tento, com isso, iludir a mim mesmo sobre a natureza de alguns dos conterrâneos.

E respirando o ar da noite venturosense me pergunto: o que motiva tanta saudade? E o que infelizmente não encontro nesta noite em questãome serve como resposta. O riso sincero e franco dos bons amigos que não pude visitar, a simplicidade da gente honesta e trabalhadora que não perdeu a fé em Deus e mantém com força a esperança em dias melhores. Tenho saudades da infância, dos amigos que tive e dos que deixei de fazer, das conversas na calçada, dos fortes apertos de mão, do Pai Nosso e da Ave-Maria, de fazer o sinal em frente a Capela de Nossa Senhora e da Matriz de São José, de cantar desafinado ao som do violão de apenas três acordes tocados pelo menos bêbado de nós. Enfim, tenho saudades de tudo que a cidade já foi para mim, do que ela ainda é, e do que, infelizmente, devido as atitudes dos abutres da seca, ela talvez nunca venha a ser.

Emerson Luiz

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