sábado, 12 de julho de 2014

FINAL DE COPA - Crônica

FINAL DE COPA

Armerindo vestia as cores da pátria. Os limites dos cartões de crédito há muito haviam estourado, mas ele não ligava. A tv de 39 polegadas parecia reluzir na sala do apartamento, a cerveja estava gelada, tanto que parecia vestida com um véu de noiva. Os petiscos estavam no ponto e os amigos começavam a chegar.
_ Quanto vai ser o placar do jogo? Indagou um logo que entrou.
_ 2 a 1 a nosso favor, respondeu sem titubear.
Mesmo sem o craque iluminado nos cabelos em campo, Armerindo mantinha sua fé na vitória da seleção intacta. Nas bochechas duas linhas, uma verde e outra amarela, no coração a propaganda do Itaú. Armerindo tinha orgulho de torcer pela CBF e chamava isso de Patriotismo.
Quando Julinha entrou ele nem reparou nas belas pernas da morena, pernas essas que já tiraram seu sono tantas vezes. Em sua cabeça já estava tudo esquematizado: o primeiro gol do Brasil sairia dos pés de Fred, o jogador saído do seriado norte americano The Walking Dead. Daí a Alemanha iria empatar a partida, deixando todos nervosos. Julinha ficaria apreensiva e estaria tomando várias. Então, quando em um momento de iluminação tática, Felipão mudaria o modo do time jogar, surpreendendo os compatriotas de Hitler e o segundo gol viria dos pés de David Luiz, que na comemoração faria dançar seus cabelos tão brasileiros. Aí, todos iriam vibrar e pular e ele aproveitaria para, na empolgação, roubar um beijo da amada.
Galvão Bueno ainda falava bobagens quando todos os convidados já relaxavam nos sofás novos e no belo tapete, bebendo e dando palpites, fazendo figas e apostando num bolão de última hora.

BLITZKRIEG

Haroldo foi o único que apostou contra.
_ Como pode isso, rapaz? Vai dar uma de Mick Jagger?
_ Os alemães vão passar pelo Brasil como a Blitzkrieg na segunda guerra, respondeu o novo desafeto sem titubear. Esse timinho só se preocupou com comerciais de televisão e capas de revista.
_ Deixa de bobagem! Não é brasileiro?
Caso o hino nacional não tivesse sido iniciado um debate acalorado teria sido travado pelos dois, havendo o risco do anfitrião expulsar o chucrute falsificado aos chutes. Bola rolando e Armerindo de olho no lance. O Brasil parecia pronto para dar trabalho aos nórdicos alemães e a bexiga de Armerindo já cheia. Não queria perder nada, mas era o jeito. Pouco mais de dez minutos de jogo, o que poderia acontecer?
Entrou no banheiro e mal começara a atender ao chamado da natureza ouviu os berros dos amigos em protesto. Gol da Alemanha, tinha certeza. Ficou tão nervoso que urinou nos próprios pés. Inferno! Sujou o piso do banheiro, os pés e as próprias mãos. Seria esse o prenúncio de que o membro viril ainda o desapontaria muito durante a vida?
Ligou o chuveiro e começou a limpar-se. Sabia que o Brasil logo iria se recompor. De virada é mais gostoso, pensou. Antes que pudesse limpar o líquido fétido do banheiro mais protestos. Como assim? Outro gol? Tão rápido? Não era possível. Mais rápido do que gostaria deixou o banheiro em virtuais condições de uso, afinal, bêbados não iriam sentir o cheiro. Ao sair do banheiro via todos tristes e um alemão marcando o gol.
_ Replay do lance? Quem marcou?
Não era replay. Haroldo estava sorrindo e os instintos mais primitivos que habitam no coração do homem estavam todos em Armerindo e pediam para transbordar e terminar numa enxurrada de socos e pontapés que ensinassem o pseudoalemão a sorrir sem os dentes. Mas entes que o torcedor verde-amarelo pudesse pensar houve o outro gol.
Julinha chorava e era consolada por Paulão, que aproveitava a situação para lhe falar no ouvido e apertá-la contra ele. Sofia e Carlos já estavam perto da porta e não faziam questão de se despedirem. Ricardo tomava uma atrás da outra, maquinalmente, como quem não sabe onde está e nem como chegara até ali. Mal sabia ele que praticamente todo o país compartilhava desse sentimento.

FIM DO PRIMEIRO TEMPO.

Cinco a zero. Era esse o placar ao final do primeiro tempo. Quase todos os amigos tinham ido embora. Paulão se ofereceu para dar uma volta de carro com Julinha e ela aceitou. Segundo ele para tirar aquilo da cabeça, mas Armerindo sabia que perderia a garota assim que ela entrasse no belo carro importado do amigo.
_ Eu falei que seria como na Blitzkrieg, a guerra relâmpago da Alemanha.
_ Vai tomar no...
Antes que Armerindo pudesse falar Ricardo vomitava no sofá.

TERCEIRO LUGAR

Nada mais pode piorar, pensou Armerindo ao sentar em frente a televisão, sozinho, para assistir o jogo pelo terceiro lugar do mundial. A final seria entre Alemanha e Argentina. O Brasil perdera por 7 a 1. Paulão agora ficava com Julinha sempre que queria mas não desejava assumi-la como namorada. Haroldo quase acertou o bolão. Ricardo, que vomitara no sofá, também destruíra o banheiro. Não havia clima para convidar mais ninguém para assistir o jogo entre Brasil e Holanda.
Correndo atrás do prejuízo, Armerindo foi a um pai de santo e pediu aos espíritos o placar do jogo. A entidade incorporada disse que o resultado viria em um sonho. E ontem, sexta-feira, ele sonhara com a vitória do Brasil, numa partida histórica, vencendo por três a zero. Ele ganhava sozinho no bolão da vizinhança e comprava um carro novo. Acordou com o perfume de Julinha na cabeça. Foi até o banco e fez um empréstimo pessoal. Com a vitória pagaria os cartões, o próprio empréstimo, os carnês e tudo o mais. Botou tudo no bolão. Só ele apostou nos três a um do Brasil.
Quando começou o jogo ele estava de pé cantando o hino.
Quando terminou ele pensou em colocar fogo num ônibus e mandar Dilma ir para o Japão, pois, além da paixão por futebol, a maioria dos brasileiros adora procurar um culpado para suas frustrações, não importando se ele é realmente responsável por tudo que é lançado em suas costas. "Porra de país, bosta de lugar. Quem já viu investir em Copa com tanta coisa errada para se concertar. Só aqui mesmo".
_ Porra, tem como piorar? Gritou Armerindo aos céus.
Espera a final da Copa.
Marandona deve gostar muito.

Emerson Luiz

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