quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

ESPECIAL JUAZEIRO DO NORTE, A TERRA DE PADRE CÍCERO

JUAZEIRO DO NORTE, A MECA DO NORDESTE

Os fiéis chegam dos mais diversos lugares. Ônibus lotados, carros de passeio, bicicletas que cortaram vários estados nordestinos, montados a cavalo, a pé, cada um com uma história única e mesmo assim absorvida pela mística de Juazeiro do Norte, a terra do padre Cícero Romão Batista, a quem muitos chamam de “meu padrinho” padre Cícero.

Juazeiro do Norte está situada no Sul do Ceará, ocupando área de 248 km² com população de quase 300 mil habitantes. A cidade tem na figura do Padre Cícero Romão Batista um marco na construção da religiosidade, da cultura do seu povo e acontecimentos políticos do Cariri. Quando o sacerdote chegou em abril de 1872, cavalgando num jumento, era apenas um arraial com algumas poucas casas de tijolos e uma rústica capela.

Juazeiro do Norte, 1911

Juazeiro do Norte, hoje
Em minha visita a cidade do Padre Cícero percorri cerca de 390 km, uma viajem de mais de 5 horas de carro de passeio e não pude deixar de pensar nos romeiros que partem de lugares bem mais distantes em ônibus lotados, montados em animais ou em grupos de ciclistas, além daqueles que o faziam nos caminhões paus de arara. O que os motiva? O que fez de Juazeiro do Norte a Meca dos sertanejos?

A cidade sagrada dos mulçumanos é Meca. Todo aquele que crê em Allah e em Maomé, o seu profeta, é obrigado a se dirigir a ela pelo menos uma vez na vida, dar voltas em torno da Caaba, a pedra negra (que teria caído branca do céu e foi enegrecida pelos pecados da humanidade) e realizar os ritos de sua fé.

Alguns chamam Juazeiro do Norte de “Roma dos Pobres”, mas Roma é muito formal, institucionalizada. A cidade eterna, centro do catolicismo, guardou a fé durante milênios, mas só agora, com Francisco, celebra gestos espontâneos das pessoas. Juazeiro do Norte concentra a fé popular, com suas devoções, costumes e práticas que não podem ser contidas. Algumas dessas devoções tornaram-se ritos do povo, a chegada dos ônibus na Igreja de São Francisco, circulando a imagem do pobrezinho de Assis enquanto buzinam anunciando a chegada dos romeiros, ou, a imposição de objetos sobre o túmulo do padre Cícero para que sejam abençoados por ele; a subida ao horto; a passagem por baixo do enorme cajado de sua estátua, a passagem por baixo de sua cama em dois sentidos para formar uma cruz e tantos outros.

 É a fé que move os romeiros, que sentem-se obrigados a visita-la não apenas uma vez em sua vida, mas enquanto tiverem forças para fazê-lo, felizes por poderem estar perto de Deus, de Nossa Senhora das Dores e de seu padrinho, o padre Cícero. A católica Juazeiro do Norte é a Meca do Nordeste.

A figura do padre é alvo de polêmica, para uns é um santo, outros o têm como um chefe político amigo de coronéis,  e a própria história ainda não se definiu a respeito dele. Sabe-se que era de origem pobre, que a partir de sua atuação pastoral o pequeno povoado de Juazeiro cresceu e prosperou, mas todas as polêmicas se originam dos acontecimentos que ficaram conhecidos como milagres de Juazeiro.

No ano de 1889, durante uma missa celebrada pelo padre Cícero, a hóstia ministrada pelo sacerdote à religiosa Maria de Araújo se transformou em sangue na boca da religiosa. Segundo relatos, tal fenômeno se repetiu diversas vezes durante cerca de dois anos. Rapidamente espalhou-se a notícia de que acontecera um milagre em Juazeiro.

A pedido de padre Cícero a diocese formou uma comissão de padres e profissionais da área da saúde para investigar o suposto milagre. A comissão tinha como presidente o padre Clycério da Costa e como secretário o padre Francisco Ferreira Antero, contava, ainda, com a participação dos médicos Marcos Rodrigues Madeira e Ildefonso Correia Lima, além do farmacêutico Joaquim Secundo Chaves. Em 13 de outubro de 1891, a comissão encerrou as pesquisas e chegou à conclusão de que não havia explicação natural para os fatos ocorridos, sendo, portanto, um milagre.

Insatisfeito com o parecer da comissão, o bispo Dom Joaquim José Vieira nomeou uma nova comissão para investigar o caso, tendo como presidente o padre Alexandrino de Alencar e como secretário o padre Manoel Cândido. A segunda comissão concluiu que não houve milagre, mas sim um embuste.
Dom Joaquim se posicionou favorável ao segundo parecer e, com base nele, suspendeu as ordens sacerdotais de padre Cícero e determinou que Maria de Araújo, que viria a morrer em 1914, fosse enclausurada.

Em 1898, padre Cícero foi a Roma, onde se reuniu com o Papa Leão XIII e com membros da Congregação do Santo Ofício, conseguindo sua absolvição. No entanto, ao retornar a Juazeiro, a decisão do Vaticano foi revista e padre Cícero teria sido excomungado, porém, estudos realizados décadas depois pelo bispo Dom Fernando  sugerem que a excomunhão não chegou a ser aplicada de fato. Atualmente, Dom Fernando conduz o processo de reabilitação do padre Cícero junto ao Vaticano.
Graças ao padre Cícero, um homem muito a frente de seu tempo, Juazeiro é considerado um dos maiores centros de religiosidade popular da América Latina, atraindo 1,5 milhão de fiéis por ano os quais vêm reverenciar Nossa Senhora das Dores e Padre Cícero que introduziu uma política de fé, amor e trabalho, tornando-se um mito para o povo nordestino. Nas romarias, a cidade se transforma em um centro de devoção com missas, bênçãos, procissões, novenas, peregrinações e visitações, além de extraordinário mercado de artesanato regional e artigos religiosos.

Quem visita Juazeiro do Norte tem de se despir de preconceitos intelectuais e religiosos. A mística do local permite a reflexão espiritual e humana, o contato com o povo simples, forte e batalhador, a partilha de esperanças e a percepção de nossas misérias humanas e sociais.


É um local que devemos visitar ao menos uma vez na vida, ou sempre que deseje se lembrar o que faz do nordestino um forte.

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