JUAZEIRO DO NORTE, A MECA DO
NORDESTE
Os fiéis chegam dos mais diversos
lugares. Ônibus lotados, carros de passeio, bicicletas que cortaram vários
estados nordestinos, montados a cavalo, a pé, cada um com uma história única e
mesmo assim absorvida pela mística de Juazeiro do Norte, a terra do padre
Cícero Romão Batista, a quem muitos chamam de “meu padrinho” padre Cícero.
Juazeiro do Norte está situada no
Sul do Ceará, ocupando área de 248 km² com população de quase 300 mil
habitantes. A cidade tem na figura do Padre Cícero Romão Batista um marco na
construção da religiosidade, da cultura do seu povo e acontecimentos políticos
do Cariri. Quando o sacerdote chegou em abril de 1872, cavalgando num jumento,
era apenas um arraial com algumas poucas casas de tijolos e uma rústica capela.
Juazeiro do Norte, 1911 |
Juazeiro do Norte, hoje |
Em minha visita a cidade do Padre
Cícero percorri cerca de 390 km, uma viajem de mais de 5 horas de carro de
passeio e não pude deixar de pensar nos romeiros que partem de lugares bem mais
distantes em ônibus lotados, montados em animais ou em grupos de ciclistas,
além daqueles que o faziam nos caminhões paus de arara. O que os motiva? O que
fez de Juazeiro do Norte a Meca dos sertanejos?
A cidade sagrada dos mulçumanos é
Meca. Todo aquele que crê em Allah e em Maomé, o seu profeta, é obrigado a se
dirigir a ela pelo menos uma vez na vida, dar voltas em torno da Caaba, a pedra
negra (que teria caído branca do céu e foi enegrecida pelos pecados da
humanidade) e realizar os ritos de sua fé.
Alguns chamam Juazeiro do Norte
de “Roma dos Pobres”, mas Roma é muito formal, institucionalizada. A cidade
eterna, centro do catolicismo, guardou a fé durante milênios, mas só agora, com
Francisco, celebra gestos espontâneos das pessoas. Juazeiro do Norte concentra
a fé popular, com suas devoções, costumes e práticas que não podem ser
contidas. Algumas dessas devoções tornaram-se ritos do povo, a chegada dos
ônibus na Igreja de São Francisco, circulando a imagem do pobrezinho de Assis
enquanto buzinam anunciando a chegada dos romeiros, ou, a imposição de objetos
sobre o túmulo do padre Cícero para que sejam abençoados por ele; a subida ao
horto; a passagem por baixo do enorme cajado de sua estátua, a passagem por
baixo de sua cama em dois sentidos para formar uma cruz e tantos outros.
É a fé que move os romeiros, que sentem-se
obrigados a visita-la não apenas uma vez em sua vida, mas enquanto tiverem
forças para fazê-lo, felizes por poderem estar perto de Deus, de Nossa Senhora
das Dores e de seu padrinho, o padre Cícero. A católica Juazeiro do Norte é a
Meca do Nordeste.
A figura do padre é alvo de
polêmica, para uns é um santo, outros o têm como um chefe político amigo de
coronéis, e a própria história ainda não
se definiu a respeito dele. Sabe-se que era de origem pobre, que a partir de
sua atuação pastoral o pequeno povoado de Juazeiro cresceu e prosperou, mas
todas as polêmicas se originam dos acontecimentos que ficaram conhecidos como milagres de Juazeiro.
No ano de 1889, durante uma missa
celebrada pelo padre Cícero, a hóstia ministrada pelo sacerdote à religiosa
Maria de Araújo se transformou em sangue na boca da religiosa. Segundo relatos,
tal fenômeno se repetiu diversas vezes durante cerca de dois anos. Rapidamente
espalhou-se a notícia de que acontecera um milagre em Juazeiro.
A pedido de padre Cícero a
diocese formou uma comissão de padres e profissionais da área da saúde para
investigar o suposto milagre. A comissão tinha como presidente o padre Clycério
da Costa e como secretário o padre Francisco Ferreira Antero, contava, ainda,
com a participação dos médicos Marcos Rodrigues Madeira e Ildefonso Correia
Lima, além do farmacêutico Joaquim Secundo Chaves. Em 13 de outubro de 1891, a
comissão encerrou as pesquisas e chegou à conclusão de que não havia explicação
natural para os fatos ocorridos, sendo, portanto, um milagre.
Insatisfeito com o parecer da
comissão, o bispo Dom Joaquim José Vieira nomeou uma nova comissão para
investigar o caso, tendo como presidente o padre Alexandrino de Alencar e como
secretário o padre Manoel Cândido. A segunda comissão concluiu que não houve
milagre, mas sim um embuste.
Dom Joaquim se posicionou
favorável ao segundo parecer e, com base nele, suspendeu as ordens sacerdotais
de padre Cícero e determinou que Maria de Araújo, que viria a morrer em 1914,
fosse enclausurada.
Em 1898, padre Cícero foi a Roma,
onde se reuniu com o Papa Leão XIII e com membros da Congregação do Santo
Ofício, conseguindo sua absolvição. No entanto, ao retornar a Juazeiro, a
decisão do Vaticano foi revista e padre Cícero teria sido excomungado, porém,
estudos realizados décadas depois pelo bispo Dom Fernando sugerem que a excomunhão não chegou a ser
aplicada de fato. Atualmente, Dom Fernando conduz o processo de reabilitação do
padre Cícero junto ao Vaticano.
Graças ao padre Cícero, um homem
muito a frente de seu tempo, Juazeiro é considerado um dos maiores centros de
religiosidade popular da América Latina, atraindo 1,5 milhão de fiéis por ano
os quais vêm reverenciar Nossa Senhora das Dores e Padre Cícero que introduziu
uma política de fé, amor e trabalho, tornando-se um mito para o povo
nordestino. Nas romarias, a cidade se transforma em um centro de devoção com
missas, bênçãos, procissões, novenas, peregrinações e visitações, além de
extraordinário mercado de artesanato regional e artigos religiosos.
Quem visita Juazeiro do Norte tem
de se despir de preconceitos intelectuais e religiosos. A mística do local
permite a reflexão espiritual e humana, o contato com o povo simples, forte e
batalhador, a partilha de esperanças e a percepção de nossas misérias humanas e
sociais.
É um local que devemos visitar ao
menos uma vez na vida, ou sempre que deseje se lembrar o que faz do nordestino
um forte.
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