Nossa extrema direita continua viva, preconceituosa e sem medo de se expor.
Horário de
almoço e uma matéria da Folha de São Paulo me chama a atenção. Leio atentamente o caso de uma brasileira que
reside na França há cinco anos e que em conformidade com a lei que permite que
imigrantes ilegais que estudem no mínimo há três anos e estejam no país há meia
década, pediu para regularizar sua estadia no país. Primeiramente teve o pedido negado e acabou
virando debate político, já que junto com a negativa veio a ordem de deixar o
país num prazo de 30 dias. Professores dessa jovem e colegas protestaram,
pedindo por sua permanência, mas pessoas ligadas ao partido nacional de extrema
direita, Frente Nacional, foi hostil à jovem brasileira. O caso virou notícia
no respeitado jornal Le Monde, onde
vários comentários negativos foram feitos sobre o caso.
Sempre
falei aos meus alunos sobre esse tipo de preconceito, identificado como
Xenofobia. O termo deriva da junção de
duas palavras gregas: xénos, estranho; phóbos, medo. Trata-se do medo, da
aversão e de uma profunda e violenta antipatia por pessoas de origem ou cultura
diferente. É comum em países europeus e nos Estados Unidos. Quem vem de fora é
vítima dos mais diversos preconceitos. Uma colega de profissão que fazia
doutorado na Itália teve o seio apalpado em um café quando disse ao
interlocutor que era brasileira. Ao protestar, ouviu como desculpa: “mas você é
brasileira”.
Não vou
jamais procurar justificar a atitude do agressor, se bem que podemos começar a
questionar se nossa imagem como país do futebol e do carnaval não reforça um
pouco o preconceito que boa parte da comunidade internacional já tem em relação
ao nosso povo. Em Portugal professores universitários já chegaram a expor “normas
de condutas” para que as alunas brasileiras não fossem vistas como prostitutas.
Frequentemente imigrantes legais ou ilegais são acusados de estarem roubando
empregos, trazendo doenças, “inchando o Estado” e destruindo economias. Poucos
questionam a economia baseada no consumo desenfreado, linear, que não tem como
ser mantida à longo prazo, não temos recursos naturais para isso.
Os
movimentos nacionalistas, muitos deles xenófobos, já provocaram guerras e
milhões de mortes. A História jamais deve permitir que esqueçamos do nazismo
alemão que, entre outras coisas, produziu o assassinato de mais de 8 milhões de
judeus.
O artigo
da Folha de São Paulo não me trouxe nada de estranho em relação às terras
europeias, mas os comentários dos leitores assustaram-me por ver que este mesmo
sentimento também infesta alguns setores da sociedade brasileira. Um dos leitores
postou a seguinte pérola:
“O brasileiro
gosta de usar de subterfúgios que não a lei ou por seu mérito, mais ou menos o
que acontece em S. Paulo com a imigração interna, para conseguir e obter
vantagens que não conseguem e seu local de origem, ou alimentado por esses
programas de baixo nível movidos a premiações baratas comparados à receita.
Cada vez mais cresce o numero de espertos enquanto a dignidade do trabalho é
para o otário. No caso da moçinha, ao invés de querer impor a sua cultura lá,
volte e mude a de cá.”
Uma clara alusão
aos nordestinos que moram no estado de São Paulo e em outros locais do Sul e
Sudeste do Brasil. Eles, assim como a jovem que luta para permanecer na França,
também estariam tentando “obter vantagens que não conseguem no local de origem”.
O autor do comentário ainda faz uma reflexão de caráter social: “Cada vez mais cresce o número de espertos enquanto a
dignidade do trabalho é para otário”.
Outro pedia
para que os leitores se colocassem no lugar dos cidadãos daqueles países: “que
a toda hora massa de imigrantes lá chegam. A Itália já parece um pais africano.
Um inglês disse que iria morar na Suíça visto que na Inglaterra já não existia
mais ingleses. E por aí vai..”. Houve quem procurasse na biologia uma analogia
para a situação: “O Estado francês e os franceses estão reagindo como
anticorpos reagem quando um ser estranho invade o corpo de modo anormal,
diferente dos que entram por vias de acesso permitido”.
A xenofobia
brasileira é direcionada ao Norte e ao Nordeste e será fortemente sentida esse
ano. Quando Dilma Rousseff foi eleita presidente, em 2010, uma estudante de
Direito (!!!) fez comentários preconceituosos em relação aos nordestinos que a
teriam elegido, pedindo que se fizesse um favor a São Paulo matando um
nordestino afogado. Ela foi punida legalmente, perdeu o emprego, mas a mais de
uma centena de pessoas que reproduziu sua mensagem e acresceu seu conteúdo
escapou impune. Alguns somaram aos nordestinos os afrodescendentes e os povos
indígenas, taxados como burros, preguiçosos, analfabetos, sujos e exploradores
do trabalho alheio. Caso Dilma seja reeleita ou se o pernambucano Eduardo
Campos chegar à presidência, poderemos rever toda a intolerância de alguns
setores na internet e em nossa grande mídia.
A quem
poderemos culpar? A nós mesmos! Nos esquivamos do debate essencial por uma
educação de qualidade, por ações que democratizem nossos espaços, pacifiquem
nossas cidades, nutram nosso corpo e mente e nos permitam uma real democracia.
Enquanto passamos horas na internet ou sentados em frente à televisão nos
programas de auditório e bbb’s da vida, votando por votar ou não votando em
consonância com protestos virtuais que nada mudam nossa realidade o preconceito
se reproduz em contraparte à nossa inércia. Um dos melhores professores que
tive dizia: “quando você não pensa outros estão felizes por poderem pensar por
você”. Nossos xenófobos são incapazes de questionar nosso modelo econômico, a
exploração do trabalho humano, o consumismo predatório a insustentabilidade do
nosso modelo de vida. Estão sempre ávidos pelos mais novos carros, celulares e
bens que se possa desejar. Para eles o Sudeste não é o Brasil, assim como os
Estados Unidos não se encontra na América, explorando os recursos e o trabalho
dos povos americanos para manter uma sociedade que se for replicada a nível
global levará a espécie humana à extinção. Essas pobres criaturas não questionam
o capitalismo, o modelo neoliberal nem a escala da emissão de poluentes. Não se
preocupa com os refugiados ambientais que nosso modo de vida produz a cada dia.
A solução prática é que cada um fique em seu lugar, melhore-o e lá permaneça.
Que os empobrecidos se mantenham longe dos shoppings e que os índios fiquem nas
florestes, exceto aquelas que devem ser desmatadas ou inundadas. A única
expressão de cultura válida para eles é aquela presente em camisas, bonés,
tablets e iphones. A que os despersonaliza e dita seus padrões de alimentação e
consumo. Os que dela podem usufruir (pagar/consumir) serão sempre bem-vindos. O
resto da humanidade que se foda!
Esse é o pensamento
de alguns brasileiros, assim como de alguns europeus e um bom número de
estadounidenses. É nosso dever contrapor os preconceitos e isso só é possível
quando um grande número de pessoas tem consciência do seu papel. A cidadania é
um direito, mas aqui, no Brasil, ainda deve ser conquistada pelas próximas
gerações. Cabe a nós lutar por isso!
Emerson Luiz Galindo Almeida
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