domingo, 9 de novembro de 2014

NOTICIÁRIO


Na televisão o repórter anuncia o aumento no preço da gasolina. Ele usa um tom de voz mais grave e severo, como se proclamasse uma tragédia já anunciada que mudaria para sempre o destino dos que vivem sobre a terra.
Seu olhar severo dá certeza da gravidade desse aumento. Entre 0,6 e 0,10 centavos, que irão refletir no preço dos alimentos, das passagens de ônibus, em todos os materiais transportados, enfim, que todos estão fudidos a partir de agora. Essa, para ele, é a notícia mais importante do dia, não, do ano. A gasolina aumentou!
Numa pequena cidade do Nordeste, um homem agride sua companheira até a morte, mas ninguém ficará sabendo. No Amazonas índios são explorados por laboratórios que desejam patentear remédios a base de plantas nativas. Eles também são alvos de empresas que querem negociar cotas de carbono. Mas o repórter não achou isso importante.
No Rio de Janeiro menores de idades são mortas pelo tráfico. Estavam namorando criminosos. A realidade das comunidades mais pobres é rotina, pensa o editor, não vale uma manchete.
Em São Paulo, bolivianos são mantidos em condições análogas as da escravidão por uma luxuosa grife de roupas. Nenhuma nota, uma menção sequer. Quem manda os bolivianos virem para o Brasil? A culpa é deles, já não bastam os nordestinos? E assim o jornalista escolheu a pauta mais importante.
Ele também não frisou o menor desemprego da história do país, as obras estruturais, a alta da bolsa e as medidas que estão sendo tomadas para manter a economia nacional.
"O preço da gasolina aumentou", disse ele, mas na verdade queria dizer: "Tomem, seus pobres miseráveis, agora aguentem". Não importa se o candidato de sua preferência faria ajustes ainda maiores. Ele termina a notícia com um biquinho tão misterioso quanto o sorriso de Monalisa.
Em sua indignação seletiva ele já deu armas aos reacionários, letrados ou não, para brigarem com tudo e com todos.
Os pobres, desvalidos, minorias ficam de fora do grande olhar da nação.
As boas notícias não podem ser veiculadas.
Em cidades do interior e nas grandes capitais políticos sem escrúpulos usam suas frases de efeito.
"Começamos a pagar a conta". Ah, se vocês realmente fossem pagar a conta de que devem ao povo! Não seriam centavos, podem ter certeza!
Os que compraram o discurso do repórter criticam quem o questiona ou mostra outras facetas desse país.
"Só tem um lado". "É formador de ideia".
O preço da gasolina aumentou. Dramáticos centavos, que irão refletir no preço de tudo! Quem mandou votar na Dilma? Não queremos saber de faculdades, mais médicos, emprego, renda, bem estar social, queremos odiar ela e vocês, esquerdistas de merda! - É o que dizem ou pensam, não tenho como diferenciar um do outro.
Fico observando e percebo que têm razão em uma coisa sobre o que escrevo.
Só tenho um lado. Sempre tive um lado e nunca vou sair dele.
Estou do lado do povo. Dos mais pobres, dos que eram condenados a invisibilidade.
Não tenho o poder de formar ideias. Só quero dizer aos que pensam como eu: não estamos sozinhos, graças a Deus!
O preço da gasolina subiu.
Mais de 8 milhões puderam tentar uma vaga na universidade.
Em São Paulo falta água.
E nós continuamos a lutar, continuaremos muitos anos pela frente.
Só que do lado certo.
O lado do povo.
Emerson Luiz

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