sexta-feira, 31 de outubro de 2014

O QUASE SUICÍDIO DE ARTHUR GUERRA

Ele havia decidido morrer há algum tempo. O peso dos anos ainda não havia se instalado, mas seu espírito estava cansado. Não casou nem teve filhos, não possuía verdadeiros amigos e o mundo atual o deprimia. Arthur Guerra então optou por abreviar a própria existência.

Durante algum tempo não conseguiu escolher qual seria a forma mais adequada de partir. O veneno talvez o colocasse na mesmo lugar em que Sócrates vagava na eternidade, um tiro no coração o levaria a ser companheiro de Getúlio, o enforcamento foi desprezado logo de início. Tiradentes foi enforcado pelos vassalos de Portugal, mas foi Judas que enforcou a si mesmo.

Pular do topo do prédio onde morava também passou por sua cabeça, mas não sobraria muito dele para ser enterrado. Arthur Guerra queria uma morte memorável, algo que estampasse os jornais, fosse compartilhado nas redes sociais e quem sabe chegasse a ser chamada do Jornal Nacional. William Bonner poderia usar de um tom mais grave para anunciar sua morte, tudo dependia da forma como ele deixasse o mundo.

Arthur então escolheu uma morte heroica. Iria sacrificar-se para salvar alguém. No bolso uma carta-testamento autorizando a doação de seus órgãos. Que exemplo!

Então passou a observar melhor as pessoas a sua volta. Se alguém tinha fome, Arthur alimentava. Se tinha frio, lhe dava o que vestir. Velhos não atravessavam mais a rua sozinhos quando ele estava presente, gestantes não ficavam em pé nos ônibus ou no metrô. Perceber que podia ajudar a aliviar o sofrimento dos outros o fez sentir-se melhor, mas dia após dia o seu plano era adiado. Nunca conseguiu encontrar alguém que seria vítima de um assalto, por exemplo, para tomar um tiro em seu lugar.

No bairro onde morava todos passaram a conhecer o senhor Arthur. Até a molecada o saudava quando o via. Era um "tiozinho bacana".

Naquela quarta-feira Arthur viu que aquela mulher não percebeu que o sinal abrira quando ela saiu da calçada para atravessar a rua. O caminhão ia pegá-la de cheio e Arthur a puxou de volta com força. Ela caiu por cima dele. Seria tão heroico se ele estivesse do lado oposto, se jogasse para empurrá-la para longe do veículo e fosse atingido fatalmente por ele.

Arthur foi frustrado mais uma vez. No lugar da bela morte havia uma bela morena em seus braços. Uns dez anos mais nova, cabelos cacheados, perfume agradável, sotaque cantado, filha de Ilhéus.

Foi quando ela conseguiu dominar o nervosismo e fitou seu salvador dando-lhe um de seus mais belos sorrisos que Arthur finalmente desistiu de cometer suicídio. Foi o melhor quase de sua vida.
EMERSON LUIZ

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