“Já vi muito dezembro”, disse o
velho homem, sentado em sua poltrona, com o jornal de Domingo em mãos. Os
óculos, de grossas lentes redondas a garrafais, pesam sobre o nariz. Dobra o
jornal lido e o deposita sobre à mesa próxima de sua poltrona. Faz menção de se
levantar, mas desiste.
De onde está pode ver pela janela
aberta à rua abaixo. Enquanto olha pessoas indo e vindo lembra de quando a rua
era tomada por crianças correndo em seus jogos. Do som dos risos, e as vezes,
dos gritos quando a bola atingia, sempre por engano, alguma janela. Mas isso já
havia ocorrido há alguns janeiros.
Poucos dezembros atrás ele se
aposentou e alguns antes desses foi ao batizado do terceiro neto. Viu muitos
dezembros, mas foi um janeiro que mudou sua vida. Foi aquele em que a viu e
decidiu que seria ela a mãe de seus filhos, aquela com quem compartilharia sua
história, seus sucessos e seus fracassos. Levou mais dois janeiros para que
dessem as mãos, e mais dois para que subissem ao altar. E desde aquele janeiro,
todos os dias entre dezembros e janeiros foram únicos. “Já vi muitos dezembros",
disse olhando para ela, que lhe sorria do retrato na parede, "todos especiais
graças a você”. E então ele fechou os olhos e dormiu pela última vez.
Emerson Luiz
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Informando com responsabilidade. Numa democracia é importante poder debater notícia e ter opinião!