domingo, 24 de fevereiro de 2013

Entre Dezembros e Janeiros




“Já vi muito dezembro”, disse o velho homem, sentado em sua poltrona, com o jornal de Domingo em mãos. Os óculos, de grossas lentes redondas a garrafais, pesam sobre o nariz. Dobra o jornal lido e o deposita sobre à mesa próxima de sua poltrona. Faz menção de se levantar, mas desiste.

De onde está pode ver pela janela aberta à rua abaixo. Enquanto olha pessoas indo e vindo lembra de quando a rua era tomada por crianças correndo em seus jogos. Do som dos risos, e as vezes, dos gritos quando a bola atingia, sempre por engano, alguma janela. Mas isso já havia ocorrido há alguns janeiros.

Poucos dezembros atrás ele se aposentou e alguns antes desses foi ao batizado do terceiro neto. Viu muitos dezembros, mas foi um janeiro que mudou sua vida. Foi aquele em que a viu e decidiu que seria ela a mãe de seus filhos, aquela com quem compartilharia sua história, seus sucessos e seus fracassos. Levou mais dois janeiros para que dessem as mãos, e mais dois para que subissem ao altar. E desde aquele janeiro, todos os dias entre dezembros e janeiros foram únicos. “Já vi muitos dezembros", disse olhando para ela, que lhe sorria do retrato na parede, "todos especiais graças a você”. E então ele fechou os olhos e dormiu pela última vez.

Emerson Luiz

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