sábado, 5 de dezembro de 2009

CONSCIÊNCIA NÊGA

Esse pequeno texto teatral foi encenado por alunas do Curso Normal da Escola Quitéria Wanderley Simões. Posto aqui para que outros possam valer-se desse texto (desde que citem o autor).

(O cenário é uma sala de casa de família. Um sofá, TV, centro, e um rádio ligado em algum forró. Marilza, a empregada negra, canta e dança enquanto cuida de seus afazeres)
Entra Dona Laura a patroa
DONA LAURA: Eu a pago para ser doméstica, não para ensaiar para a próxima Micareta!
MARILZA: Desculpa Dona Laura! É que arrumar a casa no silêncio é tão chato! (tenta disfarçar dançando) Quem canta seus males espanta, não é?
DONA LAURA: Será? O mal da conta de luz eu só posso espantar se você não desperdiçar com coisas inúteis! Sua classe não fala tanto em preservar o meio ambiente? Então contribua para evitar outro apagão!
MARILZA: Dona Laura... era só uma musicasinha.... nem era de trio.... era forró...
DONA LAURA: Coisa de má qualidade não tem distinção! Vocês que nunca tiveram educação de qualidade, não tem modos, pensam que isso é arte ou até chamam de música! Nunca foram aos salões de Paris, nem aprenderam a apreciar música clássica, admirar uma tela de Picasso ou Renoir! Não podem nem escutar uma lata batendo que fica se remexendo igual pinto no lixo! Típico de vocês! Agora termine a limpeza e cuide de seus outros afazeres!
Sai Dona Laura e Marilza começa a chorar. Se recosta numa cadeira e adormece. (Silêncio prolongado para dar a idéia de sonho, depois uma música instrumental para a entrada de Roque)
Roque: Ó pai ó! Foi humilhada e vai dormir! (fala alto) Levanta mulher!
MARILZA: Meu amor! Como você entrou aqui? O que veio fazer?
ROQUE: Calma minha nêga, eu não sou teu namorado não, sou tua consciência!
MARILZA: Oxe! E porque tu veio igualzinho a Roque?
ROQUE: Era para você prestar atenção no que tenho para mostrar.
MARILZA: E acha que sou assim caidinha por Roque é? Isso não é muito machismo não?
ROQUE: É sim, e foi por isso que escolhi essa forma! Para que você se desse conta do preconceito, tomasse consciência e agisse!
MARILZA: Mas eu sou só uma empregada, nem terminei os estudos, o que posso fazer? Dona Laura mesmo disse, eu não tenho nem gosto, só desgosto!
ROQUE: (Sendo irônico) “Dona Laura”? Ela pode possuir essa casa, mas não possui você! E você pode fazer muita coisa sim, bem mais do que imagina.
Roque puxa duas cadeiras e as coloca lado a lado, senta e bate indicando que Marilza se sente ao seu lado.
ROQUE: Vamos assistir aos fantasmas do passado?
MARILZA: Ui Roque! Eu não gosto de fantasmas!
ROQUE: Mas esses não fazem mal, é como ver televisão, só que ao vivo.
Entram os fantasmas. (Nessa hora pode-se fazer muitas adaptações... as falas podem ser proferidas por todos ao mesmo tempo ou pode se montar um jogral, ou ainda, distribuí-las com mais atores do que os que aqui são indicados).
FANTASMA 1: Somos aqueles que vieram do passado.
FANTASMA 2: Aqueles que presenciaram as lutas.
FANTASMA 3: Aqueles que deram suas vidas para que outros tivessem vida!
TODOS: Somos o espírito da consciência negra! Somos o espírito de um povo!
FANTASMA 1: Eu estive com os que vieram da África, presos e vendidos aos brancos por seu próprio povo. Atravessei o oceano em condições desumanas, vendo muitos morrerem e serem atirados ao mar. Fomos torturados e ameaçados, expostos nus no pelourinho, vendidos pelo Nordeste e fomos proibidos de praticar nossa cultura e religião, mas não perdemos o desejo de liberdade!
FANTASMA 2: Eu estive com aqueles que fizeram Palmares! Vi Zumbi motivar outros a construir uma sociedade fraterna e livre, e testemunhei o preconceito e o ódio contra aqueles que ousaram sonhar. Palmares foi destruída: o sonho de um mundo melhor não!
FANTASMA 3: Eu estive presente quando a lei áurea foi assinada, estive com os que cantaram e dançaram uma falsa liberdade, pois saíram da senzala, mas não foram tratados como cidadãos! Ouvi Luther King proclamar corajosamente que tinha um sonho! Um sonho de uma sociedade onde um homem não fosse descriminado pela cor de sua pele, onde brancos e negros possuíssem os mesmos direitos, um sonho de liberdade!
TODOS: Somos testemunhas da história! Somos parte da consciência de um povo! E desejamos um mundo de iguais!
Saem os fantasmas do passado.
MARILZA: Eita Roque! Quanta coisa para o povo ser livre. Agora porque ele disse falsa liberdade?
ROQUE: Espere que a novela ainda não acabou. (Ele aponta para os que entram)
Aqui se tenta representar as minorias hoje:
Ator 1: Eu sempre desejei ser médico, mas não pude estudar porque tinha de ajudar em casa. Hoje sou zelador, e quando tento ler alguém diz que é melhor eu cuidar do meu serviço.
Ator 2: Eu queria ser dentista, mas quando tentei prestar vestibular alguém da firma disse que eu devia ser auxiliar de enfermagem. Não podia sonhar com coisas impossíveis.
Ator 3: Eu gosto muito de dançar, e uma vez, tentei fazer um curso de balé. Quando cheguei para a matrícula a responsável disse que estava ali para ensinar arte e não a dançar samba ou pagode.
Ator 4: Eu queria ser ator, mas sempre que consigo um papel é para bandido de morro, zelador, motorista, ambulante, ou qualquer coisa que remeta a pobreza e a falta de instrução. Me dizem que o preconceito no Brasil acabou, então porque sempre tenho que retratar meus pares assim?
Ator 5: Uma vez fui agredido por seguranças porque estava dentro do meu carro. Acharam que eu estava roubando porque sou negro e estava em um Cross Fox! Depois o dono do Shopping disse que houve um mal entendido. Eu era exceção a regra.
TODOS: Somos a consciência de um povo! Queremos um mundo mais justo, um mundo onde ninguém seja julgado pela sua cor, convicção, religião ou pelo valor dentro de sua carteira!
Saem
MARILZA: E o que eu posso fazer Roque? Eu preciso de emprego.
ROQUE: Você precisa de emprego, mas não está limitada a isso. Veja o fim da novela!
A atriz escolhida para isso deve ser mais velha e no seu figurino preservar alguns elementos iguais as vestes de MARILZA.
MULHER: Eu sou você num amanhã possível. Estudei em cursos noturnos, em projetos como o TRAVESSIA e o EJA, e conclui o Ensino Médio. Me dediquei com muito esforço e consegui uma ótima nota no ENEM, fui a primeira da minha família a fazer curso superior. Hoje atuo onde sonhei, sou uma profissional realizada, mas não parei de lutar. Não sou exceção a regra, mas luto para que o que é de direito seja feito direito. Disse não ao preconceito dos outros e ao que havia em mim. Sou parte da consciência de um povo e luto para que todos tomem consciência disso. Meu nome é MARILZA, sou livre e continuo sonhando com a liberdade.
Sai a atriz e ROQUE E MARILZA LEVANTAM. Roque devolve as cadeiras aonde estavam antes.
MARILZA: Quer dizer que eu vou conseguir vencer Roque?
ROQUE: Você viu uma possibilidade. O futuro é uma folha em branco onde escrevemos um pouquinho a cada dia! Ele é reflexo das nossas decisões e ações. Decida se vai passar o resto da vida aceitando preconceito e estereótipos ou se vai ser autora da sua própria história.
Marilza se senta no mesmo lugar aonde adormecera e Roque a beija na testa. Sai Roque e entra Dona Laura
DONA LAURA: Era só o que faltava! Eu não te pago para dormir (cutuca Marilza). Acorde sua negra!
MARILZA: Sou negra sim e com orgulho. Agora a senhora sabe que posso lhe processar por racismo? Não só por racismo, mas por me explorar, não assinar minha carteira nem pagar meus direitos?
DONA LAURA: O que é isso Marilza, eu que te ajeito tanto...
MARILZA: Fazendo com que eu trabalhe de domingo a domingo? Deixando eu dormir num quartinho da cozinha? Me dando uma roupa de dez reais comprada na feira no dia do meu aniversário? O tempo da senzala acabou Laura. A senhora pode ser dona da casa mas não é minha dona não!
DONA LAURA: Assim você me ofende...
MARILZA: Como a senhora fez há pouco comigo? “Típico da minha classe”, não foi assim que disse? Até parece que é uma mulher viajada, vai ao piscinão e pensa que foi ver o Sena em Paris. Nunca foi a um museu e quer dizer que aprecia Picasso e Zé não sei das quantas. A senhora é como tantas outras que come rapadura e arrota caviar, mas para mim chega! Vou estudar e seguir meus sonhos, não vou dizer que vou ser alguém porque eu já sou alguém, Sou Marilza Silva, negra com orgulho, e a partir de hoje, uma nêga da consciência!
Tira o lenço que envolvia a cabeça, atira no chão e sai
Entram todos os participantes e encenam ou dublam a música PROTESTO do Olodum

Olodum
Composição: Tatau

Força e pudor
Liberdade ao povo do Pelô
Mãe que é mãe no parto sente dor
E lá vou eu

Declara a nação,
Pelourinho contra a prostituição
Faz protesto, manifestação
E lá vou eu

Aqui se expandiu
E o terror já domina o brasil
Faz denúncia olodum Pelourinho
E lá vou eu

Brasil liderança
Força e elite da poluição
Em destaque o terror, Cubatão
E lá vou eu

Io io io io io
La la la la la la la
Io io io io io
La la la la la la la
E lá vou eu

Brasil nordestópia
Na bahia existe etiópia
Pro nordeste o país vira as costas
E lá vou eu

Nós somos capazes
Pelourinho a verdade nos trás
Monumento caboclo da paz
E lá vou eu

Io io io io io
La la la la la la la
Io io io io io
La la la la la la la
E lá vou eu

Desmound tutu
Contra o apartaid lá na África do Sul
Vem saudando o Nelson Mandela
O olodum

Io io io io io

La la la la la la la
Io io io io io
La la la la la la la
E lá vou eu


Aqui a turma pode fazer sua mensagem

FIM

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