domingo, 20 de dezembro de 2009

E Machado transforma a galinha em mosca

Perdo-me a tentativa de ser engraçado com o título do post, mas, não lembrar-me da galinha de La Fontaine ao ler a mosca azul de Machado de Assis foi impossível. O velho bruxo continua a surpreender e reler seus escritos é quase um mandamento.

A mosca azul


Era uma mosca azul, asas de ouro e granada,
Filha da China ou do Indostão.
Que entre as folhas brotou de uma rosa encarnada.
Em certa noite de verão.


E zumbia, e voava, e voava, e zumbia,
Refulgindo ao clarão do sol
E da lua — melhor do que refulgiria
Um brilhante do Grão-Mogol.


Um poleá que a viu, espantado e tristonho,
Um poleá lhe perguntou:
— "Mosca, esse refulgir, que mais parece um sonho,
Dize, quem foi que te ensinou?"


Então ela, voando e revoando, disse:
— "Eu sou a vida, eu sou a flor
Das graças, o padrão da eterna meninice,
E mais a glória, e mais o amor".


E ele deixou-se estar a contemplá-la, mudo
E tranqüilo, como um faquir,
Como alguém que ficou deslembrado de tudo,
Sem comparar, nem refletir.


Entre as asas do inseto a voltear no espaço,
Uma coisa me pareceu
Que surdia, com todo o resplendor de um paço,
Eu vi um rosto que era o seu.


Era ele, era um rei, o rei de Cachemira,
Que tinha sobre o colo nu
Um imenso colar de opala, e uma safira
Tirada ao corpo de Vixnu.


Cem mulheres em flor, cem nairas superfinas,
Aos pés dele, no liso chão,
Espreguiçam sorrindo as suas graças finas,
E todo o amor que têm lhe dão.


Mudos, graves, de pé, cem etíopes feios,
Com grandes leques de avestruz,
Refrescam-lhes de manso os aromados seios.
Voluptuosamente nus.


Vinha a glória depois; — quatorze reis vencidos,
E enfim as páreas triunfais
De trezentas nações, e os parabéns unidos
Das coroas ocidentais.


Mas o melhor de tudo é que no rosto aberto
Das mulheres e dos varões,
Como em água que deixa o fundo descoberto,
Via limpos os corações.


Então ele, estendendo a mão calosa e tosca.
Afeita a só carpintejar,
Com um gesto pegou na fulgurante mosca,
Curioso de a examinar.


Quis vê-la, quis saber a causa do mistério.
E, fechando-a na mão, sorriu
De contente, ao pensar que ali tinha um império,
E para casa se partiu.


Alvoroçado chega, examina, e parece
Que se houve nessa ocupação
Miudamente, como um homem que quisesse
Dissecar a sua ilusão.


Dissecou-a, a tal ponto, e com tal arte, que ela,
Rota, baça, nojenta, vil
Sucumbiu; e com isto esvaiu-se-lhe aquela
Visão fantástica e sutil.


Hoje quando ele aí cai, de áloe e cardamomo
Na cabeça, com ar taful
Dizem que ensandeceu e que não sabe como
Perdeu a sua mosca azul.

2 comentários:

  1. LêÊÊÊÊÊÊÊ Emerson.
    Não terminei de lêr mais o negosso ai é bom e passei aqui para convidar o senhor para dar sua opinião na minha post que fla sobre um Garoto que morreu tentando imitar o Gaara do Naruto. Ai quero saber se o Senhor aceita esse privilegio? (Nota é o meu primeiro professor a participar do meu blog.Que chique né?)
    o link é esse: http://luisvidas.blogspot.com/ . Aproveita Emerson e vê a entrevista que eu fiz com Monique sobre o livro dela "Os Segredos de Sophia Bernard"

    ResponderExcluir
  2. SE aceitar por favor me manda seu msn pelo orkut.

    ResponderExcluir

Informando com responsabilidade. Numa democracia é importante poder debater notícia e ter opinião!