segunda-feira, 25 de junho de 2012

Na busca da lenha encontramos a chama que mantém viva a luta.




No alto da Serra do Ororubá, em Pesqueira – PE, passado e presente se encontram e se mesclam na Tradição e Identidade de um povo. Séculos de deturpações históricas e de ideologias fizeram com que eu, como tantos outros, tivesse uma visão estereotipada do índio. Recordo-me dos anos do Ensino Fundamental, quando em ocasião do Dia do Índio a professora nos pintava a todos, meninos e meninas, com duas linhas vermelhas em cada bochecha e nos colocava uma tiara de cartolina com uma pena sobre a testa.
_ Que indiozinhos bonitinhos! – Exclamava ela reproduzindo o estereótipo e preparando mais uma geração alienada enquanto a existência das minorias. – Como os índios fazem?
E todas as crianças contentes a pular imitavam os índios caricatos da TV. Os telejornais também não contribuíram muito para que eu pudesse construir outra visão a respeito dos índios do Brasil e os de Pernambuco, estes desconhecidos até mesmo durante todo o Ensino Médio. Durante a comemoração do Brasil 500, uma campanha da rede Globo de televisão em comemoração aos 500 anos do Brasil em 2000, o Jornal Nacional exibiu um protesto dos índios para “atrapalhar” os eventos organizados em Brasília. Não teriam eles o direito de reclamar dos 500 anos de ocupação, perseguição, violência e extermínio perpetrados contra eles desde a chegada dos portugueses?
A minha visão a respeito dos povos indígenas só viria mudar após a Faculdade, quando comecei a lecionar. Não pela letra impressa, mas pelo contato com o povo Xukuru. O primeiro foi por meio da Diocese de Pesqueira, acompanhando o Pe. Francisco Bispo – hoje no CIMI – à aldeia Cajueiro. Ele me apresentava a realidade do povo à caminho de mais uma celebração. Eu coletava dados para um artigo. Fiquei intrigado com o sincretismo religioso na serra do Ororubá, onde os índios rezavam para a aparição de Nossa Senhora das Graças no Sítio Guarda e para Nossa Senhora das Montanhas, Mãe Tamain, encontrada num tronco de árvore e ao redor do qual teria sido construída a Igreja da Vila de Cimbres. Ali eu ainda não conhecia a luta, estava intrigado pela fé, obcecado com a construção do artigo sobre religiosidade.
Na pesquisa li sobre o cacique Xicão Xukuru, sua luta na retomada das terras, sua participação na construção da Constituição de 1988 e o seu assassinato. Li como um pesquisador, buscando a falsa neutralidade científica que ainda hoje é defendida por alguns acadêmicos, e, por isso, não busquei o envolvimento.
Durante as Santas Missões Populares conheci aquela que me faria enxergar o que até então me recusava a ver. O real contato com o povo Xukuru foi inevitável. Participar de suas festas, de suas manifestações religiosas, dançar o toré, tudo isso me fez comungar de parte da sua luta. Ao ouvir o povo, conhecer sua realidade, conversar com pessoas que participaram da retomada, percebi então que algo maior os une. Não é apenas a terra nem o fato de dividirem o mesmo espaço. O sangue dos mártires, as forças da natureza e dos encantados, o sangue nativo, tudo isso e a presença imaterial do grande cacique Xicão que continua vivo na lembrança coletiva do povo mantém acesa a esperança e o orgulho de ser índio.
Na busca da lenha, uma das festas dos Xukuru, a tradição e a fé se encontram. Assim como os índios saí da Vila de Cimbres e caminhei até a mata para recolher a lenha que serviria para formar uma enorme fogueira. Velhos  e crianças caminham quilômetros com um sorriso estampado, muitos estão pintados, usam colares, cocares ou barretinas, estão sendo índios, cumprindo com os rituais.
Dançando o toré e cantando eles evocam a força da coletividade presente na natureza e agradecem a Deus, o nosso pai Tupã: “Obrigado Senhor meu Rei, Senhor meu Rei de Ororubá, pela força e a coragem meus irmãos para lutar”.
E Deus tem atendido aos Xukuru. Eles resistem bravamente contra a criminalização de suas lideranças, o preconceito contra os seus costumes e as tentativas de esmagarem sua cultura. O bem viver que norteia as políticas do povo podem servir de exemplo para muitas comunidades.
Na busca da lenha pude contribuir com um pouco de madeira para a enorme fogueira acesa nas noites de São João. Mas não basta colocar lenha, é preciso ajudar para que a chama da liberdade, da igualdade e do respeito arda e aqueça e ilumine a todos. Quando perguntei a Senhora Birunda como alguém se tornava índio ela foi enfática: “Todos somos índios, senão no sangue somos no coração”.  
Aprendamos com os Xukuru. Nas palavras de Xicão: “Em cima do medo, coragem!” “E diga ao povo que avance!”
Professor Emerson Luiz.

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