No alto da Serra do Ororubá, em
Pesqueira – PE, passado e presente se encontram e se mesclam na Tradição e
Identidade de um povo. Séculos de deturpações históricas e de ideologias
fizeram com que eu, como tantos outros, tivesse uma visão estereotipada do
índio. Recordo-me dos anos do Ensino Fundamental, quando em ocasião do Dia do
Índio a professora nos pintava a todos, meninos e meninas, com duas linhas
vermelhas em cada bochecha e nos colocava uma tiara de cartolina com uma pena
sobre a testa.
_ Que indiozinhos bonitinhos! –
Exclamava ela reproduzindo o estereótipo e preparando mais uma geração alienada
enquanto a existência das minorias. – Como os índios fazem?
E todas as crianças contentes a pular
imitavam os índios caricatos da TV. Os telejornais também não contribuíram
muito para que eu pudesse construir outra visão a respeito dos índios do Brasil
e os de Pernambuco, estes desconhecidos até mesmo durante todo o Ensino Médio.
Durante a comemoração do Brasil 500, uma campanha da rede Globo de televisão em
comemoração aos 500 anos do Brasil em 2000, o Jornal Nacional exibiu um
protesto dos índios para “atrapalhar” os eventos organizados em Brasília. Não
teriam eles o direito de reclamar dos 500 anos de ocupação, perseguição,
violência e extermínio perpetrados contra eles desde a chegada dos portugueses?
A minha visão a respeito dos povos
indígenas só viria mudar após a Faculdade, quando comecei a lecionar. Não pela
letra impressa, mas pelo contato com o povo Xukuru. O primeiro foi por meio da
Diocese de Pesqueira, acompanhando o Pe. Francisco Bispo – hoje no CIMI – à
aldeia Cajueiro. Ele me apresentava a realidade do povo à caminho de mais uma
celebração. Eu coletava dados para um artigo. Fiquei intrigado com o
sincretismo religioso na serra do Ororubá, onde os índios rezavam para a
aparição de Nossa Senhora das Graças no Sítio Guarda e para Nossa Senhora das
Montanhas, Mãe Tamain, encontrada num tronco de árvore e ao redor do qual teria
sido construída a Igreja da Vila de Cimbres. Ali eu ainda não conhecia a luta,
estava intrigado pela fé, obcecado com a construção do artigo sobre
religiosidade.
Na pesquisa li sobre o cacique Xicão
Xukuru, sua luta na retomada das terras, sua participação na construção da
Constituição de 1988 e o seu assassinato. Li como um pesquisador, buscando a
falsa neutralidade científica que ainda hoje é defendida por alguns acadêmicos,
e, por isso, não busquei o envolvimento.
Durante as Santas Missões Populares conheci
aquela que me faria enxergar o que até então me recusava a ver. O real contato
com o povo Xukuru foi inevitável. Participar de suas festas, de suas manifestações
religiosas, dançar o toré, tudo isso me fez comungar de parte da sua luta. Ao
ouvir o povo, conhecer sua realidade, conversar com pessoas que participaram da
retomada, percebi então que algo maior os une. Não é apenas a terra nem o fato
de dividirem o mesmo espaço. O sangue dos mártires, as forças da natureza e dos
encantados, o sangue nativo, tudo isso e a presença imaterial do grande cacique
Xicão que continua vivo na lembrança coletiva do povo mantém acesa a esperança
e o orgulho de ser índio.
Na busca da lenha, uma das festas dos
Xukuru, a tradição e a fé se encontram. Assim como os índios saí da Vila de
Cimbres e caminhei até a mata para recolher a lenha que serviria para formar
uma enorme fogueira. Velhos e crianças
caminham quilômetros com um sorriso estampado, muitos estão pintados, usam
colares, cocares ou barretinas, estão sendo índios, cumprindo com os rituais.
Dançando o toré e cantando eles evocam
a força da coletividade presente na natureza e agradecem a Deus, o nosso pai
Tupã: “Obrigado Senhor meu Rei, Senhor meu Rei de Ororubá, pela força e a
coragem meus irmãos para lutar”.
E Deus tem atendido aos Xukuru. Eles
resistem bravamente contra a criminalização de suas lideranças, o preconceito
contra os seus costumes e as tentativas de esmagarem sua cultura. O bem viver que norteia as políticas do
povo podem servir de exemplo para muitas comunidades.
Na busca da lenha pude contribuir com
um pouco de madeira para a enorme fogueira acesa nas noites de São João. Mas
não basta colocar lenha, é preciso ajudar para que a chama da liberdade, da
igualdade e do respeito arda e aqueça e ilumine a todos. Quando perguntei a
Senhora Birunda como alguém se tornava índio ela foi enfática: “Todos somos
índios, senão no sangue somos no coração”.
Aprendamos com os Xukuru. Nas palavras
de Xicão: “Em cima do medo, coragem!” “E diga ao povo que avance!”
Professor
Emerson Luiz.
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