segunda-feira, 29 de agosto de 2011

QUEM É O CULPADO?: REFLEXÃO SOBRE A EDUCAÇÃO PÚBLICA




Emerson Luiz Galindo Almeida



Não é de hoje que se anuncia a péssima qualidade da educação pública no Brasil. Os péssimos quadros de nossa educação figuraram nos debates presidenciais desde a redemocratização até o presente momento pouco ou quase nada se foi feito para “revolucionar a educação no Brasil”. Uma revolução nunca feita como mostrou o professor Rafael de Menezes. Citando a professora Amanda Gurgel, que tornou-se nacionalmente conhecida através das redes sociais, a educação nunca foi tratada como prioridade nesse país, nem mesmo pelos que gostavam de enfatizar o que a história nacional teria sido iniciada em seus governos.
O repórter Alexandre Garcia emitiu seu juízo lacerdiano sobre as atuais estatísticas educacionais do Brasil, um quadro caótico que é resultado de anos e anos de omissão do Estado: crianças que passam de ano sem aprender o que se espera, jovens que são inseridos no Ensino Médio sem o devido preparo e aqueles que lotam cursos de nível superior e os concluem sem o mínimo da qualidade exigida pelo mercado de trabalho. Diante das necessidades de Brasil que foi elevado a potência emergente, sociedade e governos municipais e estaduais procuram um bode expiatório para o descaso com o qual trataram a pedra fundamental para o desenvolvimento pessoal, social e econômico: a educação.
A fala demagógica deve tilintar como ouro no estanho dos ouvidos da massa. Não se pode trazer à tona a desestruturação familiar. Declarar que os valores implodidos em nome do capital fazem falta na célula mater da sociedade? Admitir que a nossa sociedade conectada e pós-moderna não pensa, não se toca, não se sente, não se respeita e vive quase que sem referências éticas e morais e se pauta em sentimentos hedonistas e consumistas?
Devemos esperar que nossos políticos façam um mea culpa pelo sucateamento das unidades de ensino? Por retirar das instituições de ensino e dos profissionais de educação tudo aquilo que precisam para realizar seu trabalho com uma real qualidade e de forma eficaz?
´Podemos aguardar que técnicos e ideólogos, a serviço de governantes egocêntricos, que nunca colocaram os pés em uma sala de aula (a não ser enquanto lá estudavam para ostentar seus diplomas) tracem políticas concretas para a melhoria dos nossos tristes índices sem forçar a criação de dados ilusórios e eleitoreiros? Seria pedir demais de qualquer uma dessas esferas, é mais fácil responsabilizar o elo mais fraco dessa corrente: o professor.
Segundo a política educacional de alguns estados (incluindo o de Pernambuco) o professor é responsável pela ausência do aluno em sala de aula e não os (in)responsáveis familiares que permitem que menores de idade frequentem esporadicamente a escola. O professor é também responsável pelas deficiências de aprendizagem de alunos e deve descobrir fórmulas mágicas para que todos aprendam da mesma forma e na mesma velocidade, afinal todos os seres humanos são iguais, por isso que cada um de nós compõe sinfonias como Beethoven ou pinta tão bem quando Leonardo Da Vinci.
O não reconhecimento por parte das secretarias que há diferentes modos de aprendizagem, e que nem todos aprendem na mesma velocidade força o nivelamento artificial dos estudantes. Numa instrução normativa o estado (qual?) orienta aos professores a arredondarem as notas, valorizando o que o aluno aprendeu. Assim, seguindo esses cálculos mágicos, o aluno que obteve uma nota de 5,6 passa a ter 6,0, a média aceita nas escolas públicas de Pernambuco. Um aluno que precisaria de 24,0 pontos anuais (nota 6,0 em cada bimestre), conhecimento básico para sua aprovação, com essa instrução vai para a série seguinte quando na realidade ele teria atingindo pobres 22,4 pontos. E mais uma vez o professor será culpado pela falta de conhecimentos desse estudante. O professor e não a política educacional pautada em ideais eleitoreiros.
Os professores também são culpados pelos péssimos salários que não atraem jovens talentos e desmotivam tanto os bons profissionais que estes migram para outras áreas de atuação. Os professores também são culpados por leis que retiraram toda a autonomia das instituições de ensino e premiam todas as infrações com o abraço amoroso da impunidade.
Relato um caso ocorrido numa escola. O jovem de dezessete anos e dez meses de idade destrói patrimônio da escola, agride verbalmente seus professores, usa de violência contra colegas e atinge um estudante com um balde de urina. O gestor foi enérgico e acabou sendo processado por “constranger um menor de idade”. Em outra situação uma gestora é agredida com pontapés por um aluno porque esta pediu que ele fosse para a sala de aula. Além da agressão física houve ameaças contra a sua vida. Ela prestou queixa e a polícia não encontrou o adolescente ou seus pais e nada mais foi feito. A secretaria municipal de Contagem (região metropolitana de Belo Horizonte), onde o fato ocorreu nem, sequer se pronunciou sobre o ocorrido.
Também é do professor a culpa de vivermos em uma sociedade de direitos sem deveres, onde impera o sentimento do medo, da insegurança, com altos índices de violência e tantas mazelas sociais?
Para obter índices artificiais impera a ideia da meritocracia. O governo do estado de Pernambuco tenta transformar o professor no cachorro de Pavilov, pai do behaviorismo. Enquanto o cão salivava apenas por ouvir a sineta, muitos devem salivar por um bônus educacional inexpressivo que tem trazido tantos transtornos, maquiando resultados, aceitando o assédio moral, abrindo mão da criticidade, do debate, da expressão de suas ideias em nome de uma propaganda governamental ilusória e que em breve irá se desfazer quando confrontada com a realidade de exames internacionais. Muitos, por não desejarem servir de bodes expiatórios, continuarão a fugir da profissão. Hoje já são ofertados cursos gratuitos para docência de matemática e biologia e muitas instituições tem dificuldade para preencher as turmas. Já é raro encontrar professores que cursaram Química ou Física, essas disciplinas geralmente ficam com matemáticos e biólogos. Agora a rede pública sofre com a escassez de professores de Matemática. A culpa também é do professor?
Magistério não é sacerdócio, não é filantropia. O professor é mais que um repetidor de conceitos, é um formador de opinião, um mediador na aquisição e produção de saberes, é um garimpeiro dos grandes tesouros da alma, mas, acima de tudo, é um ser humano e tem necessidades humanas como comer, vestir e viver com qualidade e dignidade. O piso nacional, esse que prefeituras e estados fingem pagar unindo gratificações com vencimentos, ainda está longe do ideal. Como exigir qualidade de trabalho quando não se oferta qualidade nas condições de trabalho? Lotar escolas com funcionários para cobrar e ameaçar não pode ser traduzido como investimentos na melhoria da qualidade de ensino. Obrigar professores a uma jornada dupla de trabalho que se traduz em ministrar aulas de manhã, a tarde e a noite não é valorizar o magistério. Mas creio que isso soe como grego aos ouvidos da sociedade, de muitos gestores e das secretarias de educação.
O ditador Joseph Stálin disse certa vez que ideias são mais perigosas que armas. Alienar o educador foi a grande vitória dos governantes omissos. Dividir a categoria e apontar o professor como único culpado do fracasso da educação pública brasileira foi o tiro de misericórdia que assassinou milhões de sonhos de transformação. Mas há os que resistem mesmo em condições tão precárias, os que continuaram apesar de serem culpados de tudo.
Sou, assim como tantos, culpado por portar as minhas ideias mesmo quando governos e seus representantes as tratem como ilegais e reacionárias. Serei eternamente culpado, assim como tantos dos meus pares, por perpetuar o uso dessas armas necessárias para a revolução que o Brasil necessita e que são tão perigosas. Sou culpado, acima de tudo, por me recusar a ser um reprodutor de conceitos e dedicar minhas energias para motivar a construção de conhecimentos a serviço da libertação e transformação dos indivíduos questionando os instrumentos de dominação que pesam sobre o povo brasileiro e me recusando a carregar sobre meus ombros tanta falácia por parte daqueles que nada desejam a não ser continuar no poder e manter os privilégios que conquistaram a partir do nosso sofrimento e lutas diárias.


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