segunda-feira, 23 de maio de 2011

O Matuto e a Eleição - Emerson Luiz



O matuto, que deixou de ser besta (se é que um dia o foi) há um bom tempo, espera com o sorriso tímido no rosto. Não aquele sorriso escancarado e falso, aquele vem na cara do candidato. O matuto traz o sorriso da Monalisa, aquele que a gente só percebe no cantinho da boca, de quem já conhece a piada, mas tem de se fazer de desentendido.

Isso porque o matuto andou fazendo suas contas. Ele já sabe que o pessoal da política pensa que ele ainda é besta (e isso aumenta mais sua vontade de rir e aquela salienciazinha da Monalisa se arreganha um pouquinho e chega até a mostrar um dente) e fica calado. Deixa eles, deixa eles pensarem que vão aparecer com sapato, dentadura, se oferecer para pagar conta de luz, dose de cachaça, litrão de coca-cola e ingresso de festa, deixa.

Deixa eles pensarem que podem pisar nos calos durante quatro anos, fingir que não conhece, baixar a cabeça, olhar pro outro lado, andar apressado e se abusar antes de ouvir o que a gente ia dizer. Deixa.

O matuto sabe fazer conta direito. Pensa que não, é? Então vamos ver!

No mês de São João começa o arreganhado de dente. As tapa nas costas, o “meu patrão”. O povo que sempre ficou se escondendo vai aparece na praça, acompanhar enterro, ir almoçar em sítio e participar até de batizado de boneca!

Depois vem a boataria. Babões, civis e militares vão começar a assoprar o nome dos candidatos igual carvão de lenha verde para ver se pega. Tem uns que vão precisar de gás, outros nem com reza de velha beata nascida em Sexta Feira Santa! Essa enrolação vai até a convenção, quando os homens do dinheiro e os que pensam que tem dinheiro apontam para alguém e diz: “Esse é o nosso can-di-da-to!”.

Esse coitado já deve ter apanhado igual o Judas na Semana Santa, porque os opositores (internos e externos) fizeram de tudo para que não fosse a ele a disputar a eleição. E cá pra nós, no pé-de-parede, escondidinho, as vezes é melhor que tivessem conseguido. Mas o matuto não vai ter pena deles não. “Quem arruma serviço é porque é trabalhador! Ou pensa que é”.

Cada um vai dizer que é o mais honesto e todo mundo vai fingir que esqueceu quem foi velhaco, safado, inescrupuloso, usou da máquina, mentiu, perseguiu, enrolou, negou, fugiu, foi falso, traidor de candidato e partido, teve nojo de pobre e distribuiu sorriso amarelado e aperto de mão afolosado. Cada partido, o partido do seis e o da meia dúzia, vai dizer que quer o melhor para o povo, que vai fazer a economia decolar, que não vai faltar emprego, chuva, bom tempo, riqueza, e tudo o que servir para fazer apaixonado chorar com a lindeza do discurso. Vão convencer alguns, mas não ele! Ele já aprendeu a lição faz tempo, já conhece os cagoetes de quem só o conhece em véspera de eleição.

E o matuto vai rindo, aquele risinho tímido, esperando chegar o tempo certo. E ele já pensa em aceitar cimento, ripa, telha, cal, câmara de ar, eletrodoméstico, viagem para a praia, patrocínio de excursão, terno pro time de futebol do menino mais novo, carro para ver meu padim padre Cícero, antena de televisão, chip de celular e tantos outros brindes. Pensa também em arrumar o puxadinho, dar uma pintada na casa, quem sabe até no aparelho para concertar o sorriso da moça vaidosa que já vai inteirar dezesseis, tudo por conta da politicada.

E ele se ri enquanto dá um trago no cigarro. Ele acha mesmo graça, e não por parecer desonesto, é porque pensam que ele ainda é besta! Pensam que ele não sabe a diferença entre aceitar e votar. O matuto vai votar em quem quer, porque na urna vai ele, a sorte e Deus. Como ele sofre durante quatro anos, sente que o Criador é seu amigo íntimo e que perdoará uma pequena canalhice. Deixa estar, pensa ele, e quando avista o carro chegando com os babões e os santinhos dá mais uma risadinha e arranca o papel do seu candidato da parede.

2 comentários:

  1. óoootimo. Adorei professor!

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  2. Que decepção! Pensei que ainda poderia existir matuto honesto; mas pelo que li acho que eles tem os políticos que merecem.

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