domingo, 30 de maio de 2010

A PARTIDA



O homem olhava para o tabuleiro apreensivo. Foi um jogo demorado que se aproximava do fim e suas alternativas agora eram quase inexistentes. A bela e jovem mulher a sua frente possuía um aspecto terno e jovial. Os olhos castanhos claros, grandes como amêndoas e aquele sorriso indecifrável como o da Monalisa eram cativantes. Não sabia como tantos tinham medo do encontro com ela.

_ Creio que não há muito para se fazer. Disse ele um tanto melancólico.

_ Realmente não há. Concordou ela pacientemente com uma voz de veludo.

Observou as poucas peças que haviam lhe sobrado. Um cavalo, uma torre, um bispo e dois peões. O seu rei sem forças diante de eventuais ataques. Uma vida inteira numa partida que terminaria em breve.

_ É injusto! – Agora havia indignação em sua voz. – Não havia como ganhar!

_ Mas você não está perdendo, objetou a jovem.

_ Como não? Comecei a perder na ocasião do meu nascimento. Minha primeira respiração denunciou que um dia o jogo ira chegar ao final. Como vencer você? Como derrotar a morte?

O sorriso da Monalisa quase desapareceu, ela baixou a cabeça e suspirou.

_ Pensei que tinha entendido tudo Michael. Não é o modo que tudo termina que conta, é o que você fez até esse momento chegar que dá significado a tudo. Consegue lembrar de grandes coisas? Não de coisas que signifiquem algo para muitos, mas coisas que significam muito para você?

Ele pensou um pouco. Lembrou do dia em que segurou Peter nos braços pela primeira vez, parecia tão frágil e mesmo assim um leve suspiro dele tirava todas as suas forças. Fechou os olhos e viu o vestido branco de Jéssica no dia de sua primeira comunhão, como ela tinha ficado bonita entrando na igreja com a vela na mão! E o sorriso de Sophia, o sorriso que tantas vezes lhe deu paz e esperança e que cessou quando ela partiu para a eternidade.

_ Sim, consigo.

_ E mesmo assim ainda encara esse momento como uma derrota?

_ É que não sei se estou pronto.

_ Você também não sabia se estava pronto quando iniciou a partida. Isso não o impediu de viver.

_ É normal ter medo? Havia inquietação em sua voz.

_ Sempre que não se compreende uma realidade. Bem, em outras situações também, mas o medo não é obstáculo para nada. Santos Dumont deve ter tido medo quando decolou no 14 bis, e mesmo assim provou que era capaz de voar.

Ele levou a mão a cabeça para coçar os cabelos, e só depois lembrou que eles não estavam mais lá. Envelhecera tanto durante a conversa.

_ E o que vou encontrar do outro lado quando nossa partida chegar ao final?

A mão dela levou uma mecha de cabelo castanho para trás da orelha, o sorriso tornou-se mais expressivo. “Se eu fosse mais jovem me apaixonaria de novo”, pensou Michael.

_ Creio que você vai semear aquilo que plantou. Deve ser por isso que muitos se desesperam, mas também há os que encontram paz nessas palavras. Mas quer saber mesmo o que ocorre?

Michael fechou os olhos. Voltou a ter dez anos e acreditar que estrelas cadentes realizavam desejos, que o amor a primeira vista existe e que o mundo nunca será do mesmo tamanho que os sonhos. Ao abri-los tinha vinte e cinco anos, a mesma idade de quando conheceu Sophia e decidiu que poderia ser feliz.

_ É como nascer não é? A gente cresce tanto que não cabe no ventre materno onde fomos gerados, nutridos e amados, então vem a hora que temos de deixar o lugar que nos parecia seguro para um plano maior e desconhecido. É isso, não é?

Ela levantou e estendeu a mão em sua direção.

_ Só tem um jeito de descobrir.

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