O amigo jornalista Flávio Jardim brindou o nosso blog com essa peça literária. Recomendo a todos a leitura.
As cores de uma cidade...
A
dona-de-casa Maria Oliveira de Souza, moradora do bairro da Cohab, em uma
cidade da região, amanheceu o dia sem dormir. Tinha cinco filhos para alimentar
e, às 6h30 da manhã, não sabia (e nem tinha) o que dar aos filhos como desjejum.
Pediu a vizinha, mas a precária situação era a mesma na casa de número 22.
Lavou o rosto e, ao olhar para o espelho, viu um ‘santinho’ de seu candidato
nas últimas eleições colado na parede. Resolveu então ir até ao novo prefeito
pedir algum auxílio, não pelo fato de ter o ajudado a ser eleger, mas pela
fome, antiga conhecida da casa.
Após
esperar mais de três horas numa fila imensa que rodeava o gabinete iria,
finalmente, ser atendida. Mas, durante a longa espera, notou que vez por outra
o político a olhava na sala. Ficou feliz ao pensar que o gestor estava ‘se
lembrando’ dela quando ele foi, em campanha, visitar o bairro em que mora.
Imaginou ainda que seu pedido, uma pequena cesta básica, iria ser atendido e
saciaria, paliativamente, a fome sua, de seu marido desempregado e de seus
cinco filhos menores.
Maria foi
chamada e sentou em frente ao prefeito. Antes de tentar enumerar os inúmeros
problemas que sua família enfrentava, mote que explicaria seu pedido, foi
drasticamente mandada embora, pelo simples fato de usar uma camiseta vermelha,
cor odiada pelo prefeito que foi eleito por um partido cuja cor verde era
símbolo. “Mas doutor, eu votei no senhor”, tentou alegar. “Se votou em mim,
saberia que nem olho para essa cor. Meu partido não tolera”, disse o prefeito,
apontado o dedo para uma camisa surrada, puída e de propaganda de cerveja que
ela usava.
Maria
tentou implorar ao prefeito, mas não teve êxito. O gestor municipal fez ouvido
de mercador, pediu rispidamente para ela se retirar e voltou a atender outras
pessoas. Até um servente de pedreiro que estava na fila e, quando viu a cena,
tentou esconder a cor das meias que usava (laranjas), foi mandado embora. “Essa
não é minha cor”, esbravejava o prefeito. Maria e o servente de pedreiro confidenciaram
depois que realmente tinham votado no Dr. Prefeito, mas não podiam provar.
Maria voltou pra casa com fome e chorou ao ver seus filhos a esperando sem nada
nas mãos. “Só tem um jeito, dona Maria!”, alertou outro vizinho. “Amanhã a
senhora volta com uma roupa verde”, sentenciou.
Mas ela
sentiu um frio na barriga ao lembrar que na pilha de roupa suja do casebre, não
tinha sequer um exemplar de roupa daquela cor. Procurou qualquer peça de roupa
da cor verde, mas a única semelhança com a cor verde que encontrou em casa foi
a tez esverdeada do rosto de fome dos filhos. Após cinco meses, depois de
conseguir lavar roupa de ganho para a mulher de um vereador, finalmente Maria
comprou uma blusa verde na loja de Dez Reais e voltou ao gabinete. Para sua
surpresa, o local estava totalmente remodelado, desta vez com a cor azul,
simbologia do novo partido do prefeito.
Ficou
paralisada pensando: “Entro ou não entro?”, enquanto observava uma comadre sua,
vestida de azul, toda sorridente levando uma cesta básica para casa. Afinal,
cor é cor né?
Flávio
J Jardim – Jornalista DRT-PE Nº 1924 – Membro do Sindicato dos
Jornalistas Profissionais de Pernambuco (Sinjope) e Filiado à Federação
Nacional dos Jornalistas (FENAJ).