sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Inácia


Escrever sobre o que sinto por você não é fácil. Primeiro, porque as palavras não brotam da imaginação, como num conto. Depois, não podem ser idealizadas. Idealizar é mais fácil, pois falamos do que desejamos possuir, daquilo que a nossa fé nos impulsiona a alcançar. Escrever para você é mais difícil, exige de mim uma franqueza que nem sempre gosto de exercer.


Como manter as máscaras de alguém firme e decidido se você é capaz de desfazer tantas convicções? Como aparentar certeza se você, sem perceber, faz com que me questione a respeito de mim? Como procurar ser frio se tremo só de me imaginar distante de você?

Um dos antigos filósofos afirmou que o homem precisa se conhecer. Fugimos disso constantemente, procuramos nos agarrar a uma auto-imagem forjada para ocultar erros, desvios e rejeições. Muitos nunca chegam a amar uma pessoa em si e preferem amar a idéia que construíram da pessoa. Dom Quixote enfrentando moinhos de vento como se fossem gigantes.

Não sei se é correto dizer que amor é uma escolha, tido que não escolhemos sentir alegria ou tristeza, paz ou tremor. Mas creio que não é erro afirmar que é necessário decidir cultivar o amor. Decido nunca deixar que o solo do coração resseque, cuidar de nós como o principezinho cuidava de sua rosa, mas sem nunca deixar o pequeno planeta que é só nosso.

Ah, meu amor! Quão contraditório é sentir o que sinto! Um fogo que arde sem se ver, que torna solitário andar por essa gente. Quão difícil expressar esses sentimentos em palavras.

Mais fácil seria tê-la em meus braços, olhar em seus olhos e dizer tudo sem nada dizer.

Mas enquanto esse dia ainda não se anunciou nos raios da aurora desse imenso horizonte que é a vida, continuo expressar meus sentimentos como fizeram e fazem os sonhadores, recorrendo a fórmula antiga que nunca deixou de ser atual: eu te amo.

Emerson Luiz
 
Foto: Até ao meu Regresso

Autor(a) Luis Sarmento
Galeria Pública Gentes e Locais
Disponível no Site Olhares.com

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

José

Uma singela homenagem deste blogueiro ao gênio. A ele este poema do Imortal Drummond:


E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?

você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?



E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?