sexta-feira, 4 de abril de 2014

Xenofobia brasileira.


Nossa extrema direita continua viva, preconceituosa e sem medo de se expor.

Horário de almoço e uma matéria da Folha de São Paulo me chama a atenção.  Leio atentamente o caso de uma brasileira que reside na França há cinco anos e que em conformidade com a lei que permite que imigrantes ilegais que estudem no mínimo há três anos e estejam no país há meia década, pediu para regularizar sua estadia no país.  Primeiramente teve o pedido negado e acabou virando debate político, já que junto com a negativa veio a ordem de deixar o país num prazo de 30 dias. Professores dessa jovem e colegas protestaram, pedindo por sua permanência, mas pessoas ligadas ao partido nacional de extrema direita, Frente Nacional, foi hostil à jovem brasileira. O caso virou notícia no respeitado jornal Le Monde, onde vários comentários negativos foram feitos sobre o caso.
Sempre falei aos meus alunos sobre esse tipo de preconceito, identificado como Xenofobia.  O termo deriva da junção de duas palavras gregas: xénos, estranho; phóbos, medo. Trata-se do medo, da aversão e de uma profunda e violenta antipatia por pessoas de origem ou cultura diferente. É comum em países europeus e nos Estados Unidos. Quem vem de fora é vítima dos mais diversos preconceitos. Uma colega de profissão que fazia doutorado na Itália teve o seio apalpado em um café quando disse ao interlocutor que era brasileira. Ao protestar, ouviu como desculpa: “mas você é brasileira”.
Não vou jamais procurar justificar a atitude do agressor, se bem que podemos começar a questionar se nossa imagem como país do futebol e do carnaval não reforça um pouco o preconceito que boa parte da comunidade internacional já tem em relação ao nosso povo. Em Portugal professores universitários já chegaram a expor “normas de condutas” para que as alunas brasileiras não fossem vistas como prostitutas. Frequentemente imigrantes legais ou ilegais são acusados de estarem roubando empregos, trazendo doenças, “inchando o Estado” e destruindo economias. Poucos questionam a economia baseada no consumo desenfreado, linear, que não tem como ser mantida à longo prazo, não temos recursos naturais para isso.
Os movimentos nacionalistas, muitos deles xenófobos, já provocaram guerras e milhões de mortes. A História jamais deve permitir que esqueçamos do nazismo alemão que, entre outras coisas, produziu o assassinato de mais de 8 milhões de judeus.
O artigo da Folha de São Paulo não me trouxe nada de estranho em relação às terras europeias, mas os comentários dos leitores assustaram-me por ver que este mesmo sentimento também infesta alguns setores da sociedade brasileira. Um dos leitores postou a seguinte pérola:

“O brasileiro gosta de usar de subterfúgios que não a lei ou por seu mérito, mais ou menos o que acontece em S. Paulo com a imigração interna, para conseguir e obter vantagens que não conseguem e seu local de origem, ou alimentado por esses programas de baixo nível movidos a premiações baratas comparados à receita. Cada vez mais cresce o numero de espertos enquanto a dignidade do trabalho é para o otário. No caso da moçinha, ao invés de querer impor a sua cultura lá, volte e mude a de cá.

Uma clara alusão aos nordestinos que moram no estado de São Paulo e em outros locais do Sul e Sudeste do Brasil. Eles, assim como a jovem que luta para permanecer na França, também estariam tentando “obter vantagens que não conseguem no local de origem”. O autor do comentário ainda faz uma reflexão de caráter social: “Cada vez mais cresce o número de espertos enquanto a dignidade do trabalho é para otário”.
Outro pedia para que os leitores se colocassem no lugar dos cidadãos daqueles países: “que a toda hora massa de imigrantes lá chegam. A Itália já parece um pais africano. Um inglês disse que iria morar na Suíça visto que na Inglaterra já não existia mais ingleses. E por aí vai..”. Houve quem procurasse na biologia uma analogia para a situação: “O Estado francês e os franceses estão reagindo como anticorpos reagem quando um ser estranho invade o corpo de modo anormal, diferente dos que entram por vias de acesso permitido”.
A xenofobia brasileira é direcionada ao Norte e ao Nordeste e será fortemente sentida esse ano. Quando Dilma Rousseff foi eleita presidente, em 2010, uma estudante de Direito (!!!) fez comentários preconceituosos em relação aos nordestinos que a teriam elegido, pedindo que se fizesse um favor a São Paulo matando um nordestino afogado. Ela foi punida legalmente, perdeu o emprego, mas a mais de uma centena de pessoas que reproduziu sua mensagem e acresceu seu conteúdo escapou impune. Alguns somaram aos nordestinos os afrodescendentes e os povos indígenas, taxados como burros, preguiçosos, analfabetos, sujos e exploradores do trabalho alheio. Caso Dilma seja reeleita ou se o pernambucano Eduardo Campos chegar à presidência, poderemos rever toda a intolerância de alguns setores na internet e em nossa grande mídia.
A quem poderemos culpar? A nós mesmos! Nos esquivamos do debate essencial por uma educação de qualidade, por ações que democratizem nossos espaços, pacifiquem nossas cidades, nutram nosso corpo e mente e nos permitam uma real democracia. Enquanto passamos horas na internet ou sentados em frente à televisão nos programas de auditório e bbb’s da vida, votando por votar ou não votando em consonância com protestos virtuais que nada mudam nossa realidade o preconceito se reproduz em contraparte à nossa inércia. Um dos melhores professores que tive dizia: “quando você não pensa outros estão felizes por poderem pensar por você”. Nossos xenófobos são incapazes de questionar nosso modelo econômico, a exploração do trabalho humano, o consumismo predatório a insustentabilidade do nosso modelo de vida. Estão sempre ávidos pelos mais novos carros, celulares e bens que se possa desejar. Para eles o Sudeste não é o Brasil, assim como os Estados Unidos não se encontra na América, explorando os recursos e o trabalho dos povos americanos para manter uma sociedade que se for replicada a nível global levará a espécie humana à extinção. Essas pobres criaturas não questionam o capitalismo, o modelo neoliberal nem a escala da emissão de poluentes. Não se preocupa com os refugiados ambientais que nosso modo de vida produz a cada dia. A solução prática é que cada um fique em seu lugar, melhore-o e lá permaneça. Que os empobrecidos se mantenham longe dos shoppings e que os índios fiquem nas florestes, exceto aquelas que devem ser desmatadas ou inundadas. A única expressão de cultura válida para eles é aquela presente em camisas, bonés, tablets e iphones. A que os despersonaliza e dita seus padrões de alimentação e consumo. Os que dela podem usufruir (pagar/consumir) serão sempre bem-vindos. O resto da humanidade que se foda!
Esse é o pensamento de alguns brasileiros, assim como de alguns europeus e um bom número de estadounidenses. É nosso dever contrapor os preconceitos e isso só é possível quando um grande número de pessoas tem consciência do seu papel. A cidadania é um direito, mas aqui, no Brasil, ainda deve ser conquistada pelas próximas gerações. Cabe a nós lutar por isso!

Emerson Luiz Galindo Almeida

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