quarta-feira, 28 de abril de 2010

Testamento



Por finalmente ter consciência de que sou humano, e mesmo crendo que exista em nós uma parte infinita, acabo por aceitar o fato que minha presença neste plano não é eterna. Começo então a tentar redefinir minhas prioridades. Não quero mais ver anúncios apelativos. Nada de compra, venda, alugue, vista, dirija, não, quero voltar a me sentir um ser humano, e não um ter humano, um sujeito-consumo sem objetivos claros na vida além desse materialismo desenfreado.

Ao dizer que procuro reavaliar minhas prioridades, fiquei tentado a mudar meu testamento. Li e reli várias vezes o original, e vi que não fiz justiça ao distribuir meus bens. Aqui está uma versão mais recente e também passível de alterações:


Eu, cidadão do mundo, no pleno uso de minhas faculdades mentais, assim distribuo o que possui de mais precioso nessa vida:


A minha esposa, deixo-lhe a reciprocidade do amor e da entrega, a lembrança das tardes de sábado e dos risos nas noites de verão. Deixo-lhe o amor infindo, o beijo dado e tantas vezes repetido, o desejo sincero de sua felicidade e a recordação de tudo o que fomos um para o outro.


Ao meu filho deixo o exemplo de um pai frágil e imperfeito, mas que dentro de suas limitações procurou exortar, compreender e amar. Deixo-te o vento, as gotas de orvalho, o gramado verde aonde poderás se redescobrir ao rir dos primeiros passos do teu filho, e que quando abraçá-lo, seja por carinho ou proteção, possa ver o quanto nos tornamos parecidos, mesmo sem tanto desejo.


A minha filha deixo minhas esperanças, deixo o luar e o amanhecer, deixo cada uma das milhares de rosas da primavera, o som da música tocada pela sinfônica das chuvas de verão. Deixo um carinho que nem eu mesmo sabia que possuía e o desejo sincero que conquiste seus objetivos sem jamais perder sua ternura.


E a cada um e cada uma que compartilham esse milagre da existência deixo a possibilidade de uma sociedade fraterna, menos injusta e mais inclusiva. Deixo os abraços amigos, as gargalhadas nas mesas, aonde quer que estejam, os passos tímidos de dança (e os mais extravagantes também), o sorriso no canto dos olhos quando se vê quem se ama e a certeza de que a felicidade é possível, desde que se acredite nela.


O restante dos meus bens são irrelevantes. O maior deixarei na terra, meus amigos e familiares que mais do que ninguém, darão significado a minha vida.






Com amor, Eu, cidadão do mundo, peregrino nesta terra e aspirante do universo.



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